sábado, 25 de outubro de 2014
Como trabalhar contos de artemanha
Olá,
O SARESP vem aí, e as provas estão marcadas para os dias 11 e 12 de novembro.
Sendo assim, compartilho com vocês que são professores de 3º ano, um excelente material para o trabalho com os "contos de artimanha", na produção de autoria. Este gênero faz parte da oitava questão abordada no SARESP em 2013.
Agradeço desde já, a minha excelente formadora do Ler e Escrever Célia Prudêncio, que tanto auxilia os coordenadores pedagógicos na orientação às formações de A.T.P.C.
O SARESP vem aí, e as provas estão marcadas para os dias 11 e 12 de novembro.
Sendo assim, compartilho com vocês que são professores de 3º ano, um excelente material para o trabalho com os "contos de artimanha", na produção de autoria. Este gênero faz parte da oitava questão abordada no SARESP em 2013.
Agradeço desde já, a minha excelente formadora do Ler e Escrever Célia Prudêncio, que tanto auxilia os coordenadores pedagógicos na orientação às formações de A.T.P.C.
Contos de Esperteza[1]
Fragmento do projeto produção de final de contos
de esperteza
Arte e manha na escrita de
autoria
Contos de artimanha: narrativas, geralmente
curtas, nas quais os personagens – humanos ou animais – utilizam-se de ardis
(armadilhas ou disfarces), truques, malandragens, gambiarras e espertezas para
garantir sua sobrevivência ou mesmo a vitória contra forças maiores que a sua.
Em tais contos – de artimanha; ou de
manhas e artimanhas; ou de astúcia, ou ainda, de esperteza,
como costumam ser denominados – a trama é sempre organizada em torno de um personagem que utiliza a esperteza para obter o que deseja,
ludibriando outro – ou outros – personagem ingênuo ou, pelo menos, não tão
esperto como o protagonista. Dessa maneira, os ardis são sempre inesperados e
engenhosos, nunca havendo uso de estratégias usuais e previsíveis.
Estes protagonistas - que podem
ser pessoas ou animais – acabam por representar a possibilidade de ludibriar
certos valores da sociedade que os segrega ou exclui, valores estes
sintetizados na figura de seu antagonista. Assim, podem ser personagens que
sofrem pela pobreza, o que lhes acarreta ausência de dinheiro, de comida e bens
materiais; podem sofrer por problemas que se realizam no interior da família
(ou de um casal, como a traição) que desafiam astuciosamente os valores morais
vigentes; podem, ainda, ser alvo do autoritarismo de representantes de classes
sociais hierarquicamente superiores.
(...) Os contos de artimanha são comumente
organizados no eixo temporal, quer dizer, as ações narradas são apresentadas em
uma ordem e sequência de tempo claramente indicadas. O tempo da narrativa
costuma ser indefinido, mas o local pode ser
especificado
em alguns textos, já que se referem à tradição oral e, dessa forma, a sua origem
histórica pode remeter a uma região específica[2] . As
relações de causalidade marcam a progressão temática no que se refere à relação
existente entre os motivos do protagonista, a estratégia que desenvolve para
resolver o problema colocado a ele e às consequências/resultados do plano
executado.
Nestes contos não há a presença do elemento mágico típico
dos contos de fadas e de encantamento: a astúcia do protagonista o substitui.
Tampouco há príncipes, reis e princesas: sendo assim, quando acontece a resolução
do problema por meio do casamento, este acontece com a filha do patrão, por
exemplo.
Do ponto de vista
especificamente textual, a artimanha do protagonista costuma ser apresentada ao
leitor – e comumente também aos seus antagonistas - no momento em que está
sendo desenvolvida na história, e não de maneira antecipada. Quer dizer: em
tais textos, não é usual que haja antecipação do plano do personagem esperto ao
leitor; ao contrário, este toma conhecimento do plano na medida em que está
sendo posto em ação, o que coloca suspense no texto, quase sempre
surpreendendo, ao final, tanto personagens quanto leitores.
IMPORTANTE
SABER
· Nos
contos de artimanha a trama é conduzida sob a ótica de um herói malandro que
troça de ricos, poderosos, de instituições, mas também de indivíduos comuns
cujo comportamento destoa de um padrão convencional.
Na trama, o protagonista costuma
agir: a) para melhorar a sua situação ou a situação de um aliado, procurando
obter recompensa, ou então explorando uma situação que possa lhe render algum
benefício material; b) para proteger-se de uma ameaça ou agressão, vinda de
alguém que o subestima, e/ou explora ou a um aliado; c) punir um oponente,
vingando-se dele.
Como
ficam esses aspectos quando se trata de contos que envolvem apenas animais?
Nesse
caso, a esperteza e a astúcia são as únicas armas de que o animal de porte
pequeno dispõe – com possibilidade de vitória - para enfrentar o inimigo mais
forte. O antagonista é representado, portanto, por aquele que é superior ao
esperto em relação à força física e tamanho. Isso se justifica considerando que
na lógica da natureza, sobrevive quem é mais forte. O conto de esperteza mostra
a possibilidade de subverter essa lógica por meio da esperteza
· Na
fábula, os animais representam as virtudes e defeitos humanos, segundo a visão
do homem. Este é o critério de seleção dos mesmos para a composição da trama.
Por exemplo: a raposa costuma representar a astúcia; o coelho, a rapidez,
agilidade; o macaco, traquinagem e esperteza; a cegonha, a pureza, maternidade,
bondade.
A finalidade da fábula é mostrar
ao homem a sua condição e regras morais que deveria respeitar. Assim sendo, a
característica de cada animal é apenas servir ao propósito de ensinar ao homem
por meio de uma comparação.
As relações estabelecidas entre os animais
das fábulas são, portanto, diferentes daquela estabelecida no conto de
artimanha: nestes, o que vale é a possibilidade de subverter uma relação de
predador-presa; uma ideia de que o maior e mais forte fisicamente sobrevive
pela seleção natural. Nas fábulas isso não se coloca.
Conhecendo um conto e seu personagem principal
Pedro
Malasartes e o Lamaçal Colossal
Objetivo:
· Conhecer
um conto de artimanha e familiarizar-se com algumas das características desse
tipo de conto.
Encaminhamentos:
Leitura de um conto de artimanha pela professora
Avise aos alunos que você lerá um conto de
artimanha, chamado “Pedro Malasartes e o Lamaçal Colossal”, do livro “Histórias
à Brasileira”. Antes da leitura, pergunte à
classe:
· Vocês
já ouviram falar em contos de artimanha?
· Que
tipo de conto pode ser esse?
· Será
que a palavra artimanha pode ajudar a entender do que se trata?
Discuta
as respostas, procurando referenciar-se, sobretudo, na palavra artimanha,
discutindo seu significado, comparando com sinônimos, por exemplo.
Leia
o texto todo. Após a leitura proponha uma discussão sobre o texto lido, fazendo
perguntas como:
· Vocês
já conheciam histórias parecidas com essa?
· Já
tinham ouvido falar do Pedro Malasartes?
· Por
que será que esse conto pode ser chamado de conto de artimanha?
AMPLIANDO
INFORMAÇÕES
Pedro
Malasartes
De
acordo com o pesquisador da cultura nacional Luís Câmara Cascudo, "Pedro
Malasartes [ou Malazartes] é figura tradicional nos contos populares da
Península Ibérica, como exemplo de burlão invencível, astucioso, cínico,
inesgotável de expedientes e de enganos, sem escrúpulos e sem remorsos."
A
menção mais antiga feita ao personagem é na cantiga 1132 do Cancioneiro da
Vaticana, datado do século XIII e XIV:
"chegou
Payo de Maas Artes com seu cerame de chartes… semelha-me busuardo viindo en
ceramen pardo… log'ouve manto e tabardo".
Há
informações de que até mesmo o grande romancista, dramaturgo e poeta espanhol
Miguel de Cervantes Saavedra, escreveu sobre este ícone em sua comédia PEDRO
DE URDEMALAS, que compõe o livro Ocho comedias y ocho entremeses nuevos (1615).
Outras versões deste
personagem surgem em várias regiões da Europa, como Pedro Urdemales em
Castela, Till Eulenspiegel na Alemanha e Pedro de Urdes Lamas na
Andaluzia.
Duas óperas
brasileiras tem o personagem por protagonista: Malazarte de Oscar Lorenzo
Fernández e Graça Aranha, e Pedro Malazarte, de Mozart Camargo Guarnieri e
Mário de Andrade.
Na
literatura, vários autores usaram o personagem e nos cinemas o ele tomou
corpo com As Aventuras de Pedro Malasartes, de 1960, com Mazzaropi no papel
principal.”
Fontes:
http://www.ebc.com.br; Cancioneiro da Vaticana, Biblioteca Digital do
Alentejo, p. 281;
|
Leitura Compartilhada e Análise
do Conto de Artimanha “A Velhinha Inteligente”
Objetivo
· Ampliar
– e aprofundar - conhecimentos sobre a linguagem e os recursos discursivos
presentes nos textos apresentados para leitura.
Encaminhamentos
Estudo
do conto junto à classe.
Retome o conto do Pedro Malazarte, lido na aula anterior, e faça uma nova leitura com a
classe, com o objetivo de que todos recuperem a história.
Entregue o texto A Velhinha Inteligente para
os alunos. Leia-o enquanto eles acompanham. No final, comece, então, o estudo
do texto a partir de questões orientadoras. A intenção, nesse momento, é
aprofundar a compreensão dos alunos e, ao mesmo tempo, estudar os recursos
discursivos e linguísticos nele apresentados.
Entregue
o texto para os alunos.
Para
o estudo do conto “A Velhinha Inteligente”, sugerimos as seguintes questões:
Essa é uma história criada por um autor ou que vem
sendo contada de boca em boca, ao longo do tempo.
1)
Como é possível saber isso?
2)
Onde encontramos pistas no texto a esse
respeito?
Comentários:
Na
discussão com os alunos, oriente para que procurem no texto o trecho que contém
pistas sobre a resposta. Nesse caso, o primeiro parágrafo já indica que a
história é antiga, conhecida de todos, e que vem se modificando ao longo do
tempo.
É importante remeter o
aluno à fonte – caso eles não recorram a ela espontaneamente – para
problematizar dois aspectos:
· o
primeiro refere-se à presença da autoria que, nesse caso, relaciona-se com a
reescrita, a elaboração de uma nova versão da história pelo escritor indicado;
· o
segundo aspecto refere-se ao título da obra – Novas Histórias Antigas – que
ratifica a ideia de que são histórias que já existem há muito tempo e que estão
sendo recontadas pela autora.
3) Em qual
trecho inicial o leitor já tem uma pista de que pode se tratar de um conto de
artimanha?
Comentários:
Pretende-se
que os alunos recuperem uma das características fundamentais do conto de
artimanha, que é a presença de um protagonista esperto, engenhoso.
Logo
no primeiro parágrafo há uma pista a respeito, quando se diz que “a cidade foi
salva graças à esperteza de uma mulher”.
4) É
possível saber no início do conto qual era o plano da madame Carcas para salvar
a cidade dos guerreiros inimigos?
Comentários:
Esta
pergunta remete à uma estratégia discursiva e textual dos contos de artimanha
que é a de não apresentar previamente o “plano” do protagonista para o leitor e
demais personagens da história. Nestes contos, o estratagema do protagonista
vai sendo conhecido na medida em que vai sendo desenvolvido. Isto provoca um
suspense durante a narrativa e um final inusitado, não esperado, que surpreende
a todos, resultado do ardil, da esperteza e da inteligência do protagonista.
Nesse
sentido, espera-se que os alunos percebam que – no texto - o plano não é
anunciado e depois executado; ao contrário, ele só vai sendo conhecido quando
posto em prática, aos poucos. A madame Carcas não conta à população da cidade o
que vai fazer. Apenas vai dando ordens a todos, para providenciarem isso e
aquilo. Só ao final é que se pode ter uma ideia de tudo o que ela engendrou
para conseguir vencer o inimigo.
Para responder a esta questão, os alunos precisarão ir identificando
o modo pelo qual ficam sabendo – ao ler o texto – do plano da senhora Carcas.
Isso remete à localização de informações em diferentes trechos do texto, e à
articulação de todos eles para a totalização do plano, em si. Os diferentes
trechos seriam relativos aos pedidos que a madame vai fazendo à população, os
quais são fundamentados no conhecimento que ela tem dos moradores da cidade –
já que ela é uma velhinha, ou seja, antiga moradora
e, dessa forma, conhecedora da população – e, além disso, no seu intento:
enganar os inimigos, conhecendo também seu ponto fraco.
Para
responder a questão é preciso, antes de qualquer coisa, identificar o plano, o
que remete à articulação das informações dos trechos e elaboração da ideia
totalizadora do plano. Dito em outras palavras, só se compreende qual é o plano
no final do texto, e não antes, depois de todas as etapas executadas.
Sintetizando: o
plano da Madame Carcas era induzir o inimigo a ir embora, fazendo-o acreditar
que a cidade tinha condições de resistir muito tempo, mais do que eles, pois
tinham alimentação suficiente para continuar resistindo ao cerco. Como ela faz
isso? Mostrando aos soldados que tinham muitas provisões, o que é conseguido
com a “fuga” da vaca. Na verdade, Madame Carcas antecipa a reação dos soldados,
que estavam morrendo de fome: se a cidade deixasse “escapar” a vaca, bem
alimentada, certamente os soldados a matariam para comer. Ao fazerem isso,
veriam como estava bem alimentada. Concluiriam que a população tinha muitas
provisões e, dessa forma, poderiam resistir ao cerco por muito mais tempo que
eles.
d)
Por que todos acham um absurdo os pedidos que a Madame Carcas vai fazendo
durante a história?
Comentários:
Para
responder a essa questão os alunos precisarão analisar a reação dos moradores
dentro da situação em que se encontravam: sitiados e com fome, por causa da
escassez de alimentos. Os pedidos da Madame Carcas estavam levando a população
a abrir mão dos últimos alimentos que tinham à disposição, o que –
aparentemente - a colocava em desvantagem em relação ao inimigo.
Nessa
questão é importante que sejam analisados cada pedido feito e de que modo se
relacionam com o plano urdido pela protagonista. Além disso, é preciso levar em
conta quem era ela: uma antiga moradora que, dessa forma, conhecia muito bem
todo mundo. Esse fato, por exemplo, possibilitou que ela inferisse que o
avarento da cidade tivesse escondido uma vaca na sua casa.
É
importante articular a discussão dessa questão com o estudo feito na questão
anterior.
e)
Por que o plano de Madame Carcas dá certo?
Comentários:
Articule
essa discussão com a das duas questões anteriores. Focalize que o plano dá
certo por vários motivos:
1)
a velha senhora conhece as condições em
que o inimigo está (com fome, também, e sem provisões);
2)
ela sabe que a saída é fazer com que os
soldados desistam do cerco, pois a cidade não resistiria por muito tempo;
3)
Madame Carcas antecipa uma razão que
poderia levar os soldados à desistência: imaginar que a cidade está mais forte;
4)
a velha senhora conhece muito bem a
população, e sabe, inclusive que há um avarento que, provavelmente, estaria
escondendo uma vaca na sua casa;
5)
Madame Carcas consegue antecipar a
reação dos soldados e a conclusão a que chegaria o chefe deles.
f)
Algumas palavras e expressões usadas no texto indicam que ela tinha muita
certeza que seu plano daria
certo. Quais são elas?
Comentários:
Nesta
questão pretende-se que os alunos estejam atentos para os recursos linguísticos
empregados no texto, as palavras selecionadas para indicar a certeza da
senhora. Isso é fundamental no texto porque ratifica uma característica da
protagonista: ser inteligente e saber muito bem o que estava fazendo.
g) De
que forma o plano de Madame Carcas é revelado no texto?
Comentários:
A
intenção, com essa pergunta, é deslizar da discussão do conteúdo semântico, em
si, para a estratégia textual. Ou seja, é focalizar que o plano não foi
apresentado para o leitor primeiro para, depois, fosse mostrado de que maneira
foi desenvolvido e executado na cidade, junto à população.
Nesse momento, é possível que
você apresente para os alunos uma alternativa de redação, caso a estratégia
textual não seja observável para eles.
A
alternativa poderia ser a seguinte: pegue o conto lido e, depois do 4º
parágrafo, que termina com “não faria mal escutá-la”, introduzam o seguinte
trecho:
“A
velha senhora, então, revelou à população o que pretendia fazer:
Precisamos
enganar os soldados fazendo com que eles pensem que podemos resistir mais do
que eles. Vamos fazer com que pensem que temos provisões de sobra e que eles não
aguentarão tanto tempo quanto nós. Meu plano, então, é o seguinte: pegamos uma
vaca, damos de comer a ela com os alimentos que nos restam e deixamos que ela
“escape” da cidade. Eles, famintos como estão, certamente vão tentar comer a
vaca... Então, primeiro, tragam-me uma vaca – pediu ela.”
Leia
o texto com essa nova redação e, se possível, permitam que os alunos vejam o
texto enquanto é lido (para isso, prepare-o antes com o recurso que você tiver
disponível na escola).
Leia
um ou dois parágrafos seguintes e perguntem a eles que diferença faz escrever o
texto dessa forma ou como no original. A ideia é que possam perceber que:
a)
contar antes tira o suspense da história e, portanto, a surpresa final;
b)
contar o plano antes não é tão interessante para o leitor quando se ele ficar
sabendo só quando ele for executado;
c)
não seria possível conseguir tanta indignação dos moradores se eles já
soubessem do plano, o que também contribui para a quebra do suspense e não
prenderia tanto a atenção do leitor.
Estudo
de Texto Focalizando seus Recursos Discursivos e Linguísticos.
Sapo
com medo d’água
Objetivos
· Compreender
um conto de artimanha lido a partir dos elementos constitutivos da sua
organização interna (ardis e truques para enganar o oponente; identificação do
protagonista e do antagonista; identificação do plano do protagonista;
identificação dos motivos do protagonista para ludibriar o vilão).
· Identificar,
a partir da mediação do professor, recursos linguístico-discursivos empregados
em dois contos de artimanha e os efeitos de sentido que provocam.
Encaminhamentos
Leitura
das duas versões do conto “Sapo com medo d’água”.
Nessa
etapa, sugerimos que sejam lidas as versões do conto “Sapo com medo d'água”, de
Ricardo Azevedo e Câmara Cascudo. Leia os textos em dias distintos e converse
com as crianças sobre as semelhanças e diferenças entre as duas histórias,
focalizando não apenas aspectos semânticos, mas discursivos e textuais.
Faça
uma primeira leitura de um dos contos e converse com o grupo fazendo perguntas
que ajudem a verificar se as crianças compreenderam o texto.
Estas
perguntas devem remeter-se às características fundamentais de um conto de
artimanha, ou sejam, devem referir-se a:
a) quem
é o protagonista –personagem esperto, que vai enganar o vilão - nessa
história?;
b) como
você sabe disso?;
c) quem
é o antagonista, o vilão?;
d) como
você sabe disso?;
e) qual
o plano do protagonista?;
f) ele
consegue enganar o vilão?;
g) por
que você acha que o protagonista quis enganar o vilão?;
h) como
você sabe disso?
Em
seguida, releia o conto analisando, junto com os alunos, os recursos
discursivos e textuais empregados no textos e os efeitos de sentido que
provocam. Considerem os comentários e as orientações apresentadas a seguir.
Comentário:
Na primeira
versão, os seguintes aspectos podem ser discutidos com os alunos:
a) O título
do texto - “Sapo com medo d´água” – contraria tanto o possível repertório
do aluno, quanto a lógica do conto de artimanha, no qual o protagonista é
sempre esperto, inteligente, ardiloso: sapo não tem medo de água; o sapo não
pode ser medroso, se é o protagonista. O título, enquanto recurso textual e
discursivo que supõe redução de informação semântica do texto como um todo,
costuma possibilitar ao leitor antecipar sentidos do texto. Nesse caso, pode, à
primeira vista, apresentar uma contradição. No entanto, sabendo-se que sapo não
tem medo de água, podemos considerar que o leitor já tem – a partir desse
título - uma pista sobre quem será o esperto, quem estará enganando, qual a
estratégia do protagonista. Nesse sentido, o título passa a ser um recurso
provocativo; explicitador da estratégia do sapo.
b) A primeira
frase – “O sapo é esperto.” - embora contrarie o título, confirma a
esperteza do sapo; ao mesmo tempo ativa a capacidade do leitor para estabelecer
a relação entre o que ele sabe sobre o sapo, a contradição em relação ao título
e quem será o protagonista do conto, considerando as características de textos
desse gênero. É possível, inclusive, inferir qual será a estratégia do sapo
para enganar seu antagonista.
c) A organização do diálogo, foi elaborada
quase sem a presença de verbos ‘discendi’ (verbos de dizer: aqueles que
especificam a fala a ser apresentada em cada turno: disse, falou, respondeu,
retrucou, perguntou, indagou, murmurou, entre outros); e quase sem referências
à origem – ‘autor’ - da fala de cada turno. Esse recurso provoca um efeito de
agilidade nas falas e, dessa forma, rapidez à ação da trama, pelo menos até a
fala “Vamos botar o sapo na lagoa!”.
Depois disso – quando o
final se anuncia e a estratégia está para ser concretizada -, a diferença é
visível: há, por duas vezes, o anúncio completo fala do sapo7 (‘Aí osapo ficou
triste começou a pedir, com voz de choro:’ e O sapo mergulhou, veio em cima
da água fritando satisfeito:’); há, ainda, o apresentação da fala dos meninos,
após a primeira fala do sapo (‘Vamos para a lagoa – gritaram os
meninos’). É importante tematizar junto aos alunos as pistas que o texto
oferece para que identifiquemos quem está falando o que.
Algumas orientações:
· na primeira
fala, a referência ao sapo como objeto da ação do nós implícito em ‘vamos’
– os meninos - indica que não é ele quem fala; a 1ª pessoa do plural
(referente aos meninos) indica quem fala;
· na segunda
fala, o verbo de dizer - ‘dizia’ - e a referência à fonte – o
sapo – explicitam quem fala. Além disso, há a referência a “meu couro”, que
é mais coerente com o personagem sapo, e a ideia de que não adiantaria jogá-lo
nos espinhos – intenção dos meninos, apresentada na fala anterior;
· na terceira
fala, o verbo na primeira pessoa do plural – ‘vamos’ – já
indica quem fala; além disso, há uma referência a ele – o sapo -, o que
indica que não pode ser o sapo quem fala;
· na quarta
fala, como há uma alternância, e também pelo conteúdo semântico da fala
(pois fogo pode matar sapo e, se alguém está dizendo que não, só poderia ser o
sapo para salvar-se, o que é coerente com sua estratégia para enganar os
meninos), fica fácil deduzir quem fala;
· a quinta
fala possui as mesmas características que a terceira;
· a sexta
fala é semelhante à quarta: há uma alternância de turno, e também o
conteúdo semântico da fala denuncia o seu autor (pois pedra pode matar sapo e,
se alguém está dizendo que não, só poderia ser o sapo para salvar-se, o que é
coerente com sua estratégia para enganar os meninos);
· na sétima
fala, o verbo na 1ª pessoa do plural, identifica os falantes;
· na oitava,
vale a justificativa apresentada para a 4ª fala;
· na nona
fala, vale o exposto para a sétima.
A diferença na redação das sequências
dialogais do texto – quando colocadas em comparação - provocam o efeito de
sentido que confere rapidez à primeira parte – ‘bate-volta’ e ‘pingue-pongue’
-, e mais lentidão à segunda;
d) O
efeito de lentidão conferido à segunda parte é bastante adequado às intenções
semânticas: necessidade
de o
sapo demonstrar medo para convencer mesmo os meninos de que ele deveria ser
jogado na água; isso
coloca a necessidade textual de explicar,
qualificar a ação para que se tenha uma ideia mais clara da
dramatização/encenação realizada pelo sapo,
e com sucesso.
Na segunda
versão do conto “Sapo com Medo d’água” – a versão de Ricardo Azevedo –
encontramos uma progressão organizada de maneira diferente e uma estratégia do
protagonista também diferente.
Nela, a estratégia do
protagonista é manter-se tranquilo e calado enquanto os bandidos pensam em
maneiras de fazer maldades ao animal que, de fato, poderiam prejudicá-lo.
Quando os antagonistas tem a ideia de jogá-lo na lagoa é que ele se põe a
falar, como se fosse a pior coisa que poderiam fazer com ele. A partir desse
momento – com a fala Tudo menos isso” – é que o diálogo fica rápido, com
verbos de dizer escasseando progressivamente, assim como a indicação do
falante.
Depois
da leitura dos dois textos, oriente um trabalho de comparação entre eles,
focalizando os aspectos estudados em cada um.
As
perguntas a seguir podem orientar uma conversa sobre os textos:
a) quem
pega o sapo e por qual razão, em cada uma das versões?;
b) quais
ameaças são feitas ao sapo e como ele reage, em cada uma das versões?;
c) qual
o plano do sapo em cada um dos textos?;
d) quais
são os desfechos?;
d) qual
plano vocês acharam mais interessante? Por que?;
e) de
qual texto vocês mais gostaram? Por que?.
Ao
final do estudo comparativo, aproveite para conversar com seus alunos sobre o
fato de que os contos de artimanha, assim como os contos de fadas, têm suas
raízes na tradição oral, ou seja, são histórias muito antigas que foram
transmitidas ao longo do tempo de geração a geração. Por isso, muitas delas têm
diferentes versões, pois, cada pessoa, depois de ouvir a história, conta de seu
jeito.
Anexo – textos
Pedro
Malasartes e o Lamaçal Colossal
Você
conhece o Pedro Malasartes? Se não conhece, pode ir se preparando porque ele
pode aparecer aqui a qualquer hora.
Ele
não esquenta lugar, está sempre indo de um canto para outro. Fica um tempinho
trabalhando numa fazenda, sai e vai para outro emprego num sítio, daí a pouco
já está numa vila vendendo umas coisas na feira... Quando a gente menos espera,
Pedro já está de novo na estrada, a caminho da cidade ou de outra fazenda onde
possa ter uma oportunidade melhor. Muda toda hora, sempre em busca de um
trabalho mais bem pago, de um patrão que trate bem, de um negócio mais
interessante. Por isso, em cada história ele está fazendo alguma coisa
diferente. E sempre procurando dar um jeito de se defender, garantir um prato
de comida e não ser explorado. Mesmo que, para isso, acabe enganando alguém.
Acho
que uma das primeiras aventuras de Pedro Malasartes foi quando ele foi tomar
conta dos porcos de uma fazenda muito grande, de um fazendeiro muito rico e
muito sovina.
Quer
dizer, no começo Malasartes não tomava conta dos porcos, não. Trabalhava na
colheita. Aliás, bem nesse começo ele ainda nem se chamava Malasartes, era só
mais um Pedro como tantos outros que ainda não tinha ficado conhecido por fazer
arte nem por pregar pela nos outros. Chegou lá pedindo emprego e foi contratado
para colher café.
Pedro trabalhou o
mês inteiro. De manhãzinha até a noite. No fim desse tempo, quando chegou o dia
do pagamento, o patrão deu a ele umas moedinhas.
Só
isso, patrão? E o salário que a gente combinou?
Bom,
eu tive que descontar sua hospedagem... Se eu for hospedar de graça todo mundo
que chega nesta fazenda colossal...
E o
senhor chama de hospedagem dormir amontoado com os outros naquele barracão,
numa esteira velha, direto no chão duro? - reclamou ele.
Faz
até bem para a coluna...
Pedro
insistiu:
·
Mas foi uma hospedagem muito cara. Eu
tenho pra mim que eu não dormi esse tantão, não...
Não
adiantou insistir. O desconto estava feito. E o patrão ainda apareceu com outra
explicação:
·
É que tem também o desconto da comida.
Se eu for dar comida de graça para todo mundo que chega nesta fazenda
colossal...
·
Um descontão desses? Pela comida? Só
aquele feijãozinho talo todo dia? E o senhor queria que eu passasse fome?
Trabalhasse sem comer? Saco vazio não fica em pé...
·
Claro que não quero ver você com fome!
Mas comida custa dinheiro - respondeu o patrão. Tenho que descontar do seu
salário o preço do feijão com arroz, do sal, da linguiça, da lenha que cozinhou
a comida, do óleo, do alho e da cebola que a cozinheira usou no refogado, do
salário da cozinheira, do sabão que lavou as panelas, do...
·
Chega, patrão, chega! Não precisa mais
falar tanto em desconto. Mas eu tenho pra mim que eu não comi esse tantão,
não...
Não
adiantou discutir. O desconto estava feito.
Pedro resolveu que no
mês seguinte ia ser diferente. Trabalhou do mesmo jeito, de sol a sol, mas não
dormiu no barracão nem comeu com os outros. Com o pouquinho de dinheiro que tinha ganho comprou na venda sua
própria esteira e dormia embaixo de uma árvore. Pescava no ribeirão, armava
arapuca na mata, e no fim do dia quase sempre tinha alguma coisa para assar
numa fogueira ao ar livre. Arrumava uma frutinha aqui, outra ali, pegava uma
espiga de milho verde num milharal, uma raiz de mandioca numa roça, umas folhas
de taioba crescendo ao deus dará junto do córrego... Quase sempre dava um jeito
de não comer com os outros. Dessa vez o patrão ia ver só. Não ia adiantar vir
com aquela conversa de fazenda colossal.
Mas,
na hora do pagamento, não foi muito diferente. O patrão descontou um tantinho
pelo aluguel do pedacinho de terra onde ele armava a esteira, outro tantinho
pelo uso do rio, e outro tantinho pela espiga de milho, pela raiz de mandioca,
pelas folhas da taioba, por tudo o que ele tinha comido.
Chega,
patrão, chega! Não precisa falar mais em tanto desconto. Mas eu tenho pra mim
que eu não usei esse tantão, não... - reclamou Pedro.
·
Se é assim, vou-me embora. Não trabalho
mais aqui.
O
patrão coçou a cabeça, olhou pra ele e disse:
·
Só se for no mês que vem. Porque neste
mês agora vai ter que trabalhar pra mim, para poder acertar nossas contas.
·
Nossa contas? Como assim? - estranhou
Pedro.
·
É que ainda falta acertar sua conta com
o armazém.
·
Que armazém? - estranhou Pedro de novo.
·
Uai, aquela vendinha na beira da
estrada. Você não sabe que é minha?
·
E eu lá tenho conta em armazém?
·
Como não tem? E a esteira que você
comprou?
·
Comprei e paguei, com muita honra! -
exclamou Pedro furioso.
·
Pagou a esteira, mas também comprou
também um pedaço de fumo de rolo e uma cachacinha... Ou não lembra que comprou?
·
Comprei e também paguei, com muita
honra! - exclamou Pedro, furioso!
·
Pagou a primeira... - concordou o patrão. Mas
depois pediu outra, e mais outra, e não tinha mais dinheiro para pagar. Mandou
botar na conta. O vendedor anotou tudo. E agora você tem que pagar. Se eu fosse
deixar de graça tudo o que todo mundo compra nessa fazenda colossal...
Pedro
protestou:
·
Eu tenho pra mim que eu não bebi e não
fumei esse tantão, não...
Com
ar de bonzinho, o fazendeiro completou:
Mas
pode deixar para pagar uma parte no mês que vem.
Pedro
saiu dali muito zangado. Mão lembrava de ter bebido muitas doses de pinga. Mas
até podia ser. Bem que a mãe dele dizia que isso de tomar uma cachacinha é
desgraceira.
De
qualquer modo, uma coisa ele estava entendendo: aquilo não ia ter fim nunca.
·
Esse fazendeiro é um explorador! Vem
com essa conversinha mole de fazenda colossal, mas está querendo me tratar
feito se eu fosse um escravo. Não me paga e não em deixa ir embora. Ah, mas
isso não vai ficar assim. Vou dar um jeito.
No
dia seguinte, procurou o patrão e se ofereceu para tomar conta dos porcos da
fazenda. Esses porcos eram o grande orgulho do fazendeiro. Gordos, bonitos,
rendiam um bom dinheiro... Mas comiam muito, fediam muito e bem que davam
trabalho. Qualquer esforço para tomar conta deles era sempre bem-vindo.
·
Tudo bem. Então vá cuidar da lavagem
deles.
Era
duro. Uma espécie de trabalho de lixeiro. Pedro tinha que ir de casa em casa,
por toda a fazenda, recolhendo restos de comida, cascas de frutas, alimentos
estragados, todo tipo de sobra, e botando tudo nuns latões enormes e pesados,
que cheiravam mal. Depois carregava baldes d’água do ribeirão, misturava tudo,
jogava nos cochos e abria a porteira do cercado. Os porcos entravam correndo,
derrubando uns aos outros, e se amontoavam para a comilança. No meio de uma
sujeirada incrível.
Mas
Pedro não desanimou. Fez tudo direitinho, no capricho. Quando acabou, perguntou
ao patrão:
·
Agora posso levar os porcos para
passear?
Passear?
Nunca ouvi falar em porco passeando. Ficou maluco?
·
Com todo o respeito, senhor, eu sempre ouvi
dizer que exercício faz bem aos animais,
a carne deles rende mais e fica maciazinha... Dá um preço ótimo na hora de
vender.
Os
olhos do fazendeiro brilharam, e ele perguntou, interessado:
·
E como é que você vai levar esses
porcos para passear?
·
Ah, patrão, numa fazenda colossal como
esta, com toda a certeza não vai faltar um lugar bem especial para seus
porquinhos fazerem exercícios. Eu fico tomando conta, como se fosse um pastor,
um vaqueiro...
O
patrão deu risada:
Um
porqueiro, você quer dizer. Mas... pode levar. Só tenha cuidado para eles não
se soltarem, não invadirem as roças, não darem prejuízo.
·
Pode deixar, patrão. Já vi um lugar
aqui perto que tem uma laminha muito simpática. Acho que eles vão gostar bastante.
Isso
foi o que Pedro disse. O que ele não disse é que passara a noite carregando
água do córrego para jogar num terreno à beira da estrada, que tinha sido
capinado e estava pronto para ser plantado. A noite inteira, para lá e para cá.
Desse jeito, Pedro tinha preparado um lamaçal colossal. Levou os porcos
diretamente para lá, sentou-se me cima de uma pilha de tábuas que também tinha
deixado preparadas e esperou.
Quando
apareceu ao longe um caminhão vazio ele fez sinal. O motorista parou. Pedro
disse que o patrão estava numa emergência, tivera que fazer uma viagem de
urgência e o encarregara de vender logo aqueles porcos, bem baratinho, para
mandar dinheiro para ele. Conversa vai, conversa vem, negociou a venda de todos
os animais. Com uma única condição: os rabinhos tinham que ficar.
·
É para eu poder prestar contas -
explicou. Ele saiu tão depressa que nem teve tempo de contar. Assim a gente
controla exatamente quantos porcos foram vendidos.
O
sujeito achou esquisito, mas concordou. Estava com pressa. Queria fechar logo o
negócio, antes que surgisse um concorrente pela estrada. Ou que aquele caipira
se arrependesse de vender uns animais tão bonitos por um preço tão abaixo do
que eles poderiam ser revendidos no mercado. E com os olhos brilhando, enquanto
fazia contas mentalmente e calculava o lucro que ia ter, o motorista do
caminhão ajudou Pedro a cortar o rabo dos animais e a guardar na carroceria
todos os porcos, que subiram por uma rampa improvisada com as tábuas da pilha
onde ele estava sentado.
Num
instante, os dois se despediram, e o caminhão sumiu na estrada. Com toda aquela
porcalhada.
Pedro
pôs no bolso o dinheiro da venda e disse pra si mesmo:
· Agora
estou descontando os descontos. Se eu fosse deixar de graça tudo o que tiraram
de mim nessa fazenda colossal...
Depois
pegou os rabinhos, que tinha deixado separados em cima das tábuas, e foi
espetando todos na lama, a uma boa distância uns dos outros. Todos menos um,
que ficou segurando.
Feito
isso, foi para a casa da fazenda. Quando estava chegando lá perto, começou a
correr e a gritar, como se tivesse vindo esbaforido o tempo todo:
· Socorro!
Acudam! Estou precisando de toda ajuda!
Foi
uma correria, todo mundo em volta, e ele fingindo que estava sem fôlego, que
nem conseguia falar.
· O que
foi?
· O que
está acontecendo?
E o
patrão:
· Cadê
meus porcos?
Depois
de muito ofegar, beber um copo d’água e fazer de conta que estava sem forças,
Pedro finalmente explicou:
· Levei
os bichinhos para passear num lugar onde não tinha nada plantado, e eles
descobriram um bom lamaçal. Um lamaçal colossal. Eles adoraram...
Nossa...
Não dá pra curtir, propriamente. Mas dói de ler. Ah, dói... Sim, e daí? Conte
logo! Onde estão meus animais?
· Estão
lá, fique sossegado...
· Então,
pra que esse escândalo?
· Bom,
patrão, é que era um lamaçal tão colossal que eles foram se afundando aos
pouquinhos.
·
Afundando? Como assim?
·
Afundando, uai! Ficando com as pernas presas e
indo para o fundo, devagarzinho. Quando eu vi, tentei segurar o que estava mais
perto. Puxei, puxei, mas não adiantou nada. Olha só! O rabo dele ficou na minha
mão, e o coitadinho foi sumindo...
E
mostrou o rabinho que guardara.
Foi
um espanto! Todo mundo queria ver. O rabo, todo enroladinho, passava de mão em
mão. Pedro continuou:
· Eu
então vi que não dava conta sozinho e vim correndo pedir ajuda.
Vamos
todos para lá! - ordenou o fazendeiro.
É
isso mesmo – concordou Pedro. Mas é muito porco, nem sei se vai dar. Se o
senhor me der licença, eu posso também fazer outra coisa para ajudar.
· O
quê?
· Se o
senhor me autorizar, eu posso selar uma mula e ir até o vizinho pedir reforço.
Ele tem um trator bom, a gente pode amarrar umas cordas fortes nos bichos...
Fica mais fácil puxar.
· Boa
ideia! – concordou o patrão. Mas não vai perder tempo selando mula, não.
Monte logo no meu cavalo, que é veloz e já está arreado. Assim vai mais
ligeiro.
Era
isso mesmo que Pedro queria.
Num
instante já estava longe, na direção oposta à do lamaçal colossal. A cavalo e
com dinheiro no bolso.
E o
patrão, se não estiver esperando reforço até hoje, já deve estar com uma boa
coleção de rabinhos de porco na mão. Ou ele estava pensando que ia continuar
para sempre explorando todo mundo, sem nunca lhe acontecer nada, naquela
fazenda colossal?
A Velhinha Inteligente
Esta
é uma história que se conta até hoje na cidade de Carcassonne, ao sul da
França. Há várias versões do mesmo caso, mas todas concordam num ponto: a
cidade foi salva graças à esperteza de uma mulher.
Há
muitos e muitos séculos, a próspera cidade de Carcassonne foi cercada por
guerreiros inimigos. Embora protegida por muralhas e portões, a população não
estava a salvo: como ninguém pudesse sair, aos poucos a comida foi escasseando.
Logo chegou o dia em que ninguém mais tinha o que comer, e os inimigos, do lado
de fora, resistiam teimosamente, esperando a rendição da cidade.
Então,
o governador de Carcassonne, refletindo sobre a gravidade da situação, resolveu
que era preferível entregar-se a ver seu povo morrer de fome. Entretanto, assim
que ele anunciou a todos a sua resolução, uma senhora, madame Carcas, já bem
idosa e por isso mesmo muito experiente, adiantou-se e disse que tinha um plano
para salvar a cidade.
·
Todos riram dela, porém como já se
consideravam perdidos, acharam que não faria mal escutá-la.
·
Primeiro, tragam-me uma vaca – pediu
ela.
·
Uma vaca?!? – exclamaram. – E como
vamos achar uma vaca?
Mas
madame Carcas insistiu e todos se puseram a procurar de casa em casa.
Vira
daqui, revira de lá, encontraram, por fim, uma vaca muito magra, na casa de um
avarento, que a havia escondido por medo de morrer de fome. Ele bem que
reclamou, mas o animal foi levado até a velha senhora.
·
Agora – disse ela – juntem tudo o que
puderem de alimentos, restos, cascas, o que encontrarem!
Assim fizeram todos,
conseguindo juntar um saco cheio
de restos de cereais.
·
Muito bem – aprovou a madame. – Deem
tudo isso à vaca!
·
À vaca?!? Isso é um absurdo! Todos nós
temos fome!
·
Pois deem tudo à vaca e não vão se
arrepender – garantiu a velhinha.
Não
sem relutar, fizeram o que ela dizia. A vaca rapidamente engoliu aquilo que
para todos parecia um banquete desperdiçado.
·
Agora, abram com cuidado os portões e
deixem a vaca sair – ordenou a senhora.
·
Essa velha é louca! – gritaram alguns.
Mas como madame insistisse com tanta segurança, resolveram obedecer-lhe até o
fim.
Do
lado de fora, a tropa inimiga percebeu que os portões da cidade se abriram.
Intrigados,
viram que uma vaca escapava. Mais do que depressa, capturaram o animal e o
levaram para seu chefe de armas.
·
Veja, senhor, eles deixaram uma vaca
escapar! Graças a esse descuido, hoje teremos um bom jantar!
O
chefe, intrigado, ordenou que matassem a vaca. Mas, quando abriram a barriga do
animal e ele a viu forrada de cereais, muito preocupado, concluiu:
·
Soldados! Se os habitantes dessa cidade
ainda têm tantas provisões que podem alimentar suas vacas e além disso se dar ao
luxo de deixá-las escapar, é sinal de que poderão resistir ainda por muito
tempo. É melhor nos retirarmos, pois certamente morreremos de fome antes deles.
Assim,
os inimigos foram embora e a cidade foi salva.
Dizem que a velhinha,
vendo partir os soldados, subiu à torre da igreja e começou a tocar o sino, em sinal de vitória. Ouvindo
aquilo, o povo gritou:
·
Viva! Carcas sonne! – que em francês
quer dizer “Carcas está tocando o sino”.
É por
isso que a cidade foi chamada de CARCASSONNE.
(PAMPLONA, Rosana. Novas Histórias Antigas.
São Paulo (SP): Brinque-book, 1998; pp.23-26)
Sapo
com Medo de Água (versão 1)
O
sapo é esperto. Uma feita o homem agarrou o sapo e levou-o para seus filhos
brincarem. Os meninos judiaram dele muito tempo e, quando se fartaram,
resolveram matar o sapo. Como haviam de fazer?
-
Vamos jogar o sapo nos espinhos!
-
Espinhos não furam o meu couro - dizia
o sapo.
-
Vamos queimar o sapo!
-
Eu no fogo estou em casa! Vamos
sacudir ele nas pedras!
-
Pedra não mata sapo!
-
Vamos furar de faca!
-
Faca não atravessa!
-
Vamos botar o sapo na lagoa!
Aí o
sapo ficou triste e começou a pedir, com voz de choro:
-
Me bote no fogo! Me bote no fogo! Na
água eu me afogo! Na água eu me afogo!
-
Vamos para a lagoa - gritaram os
meninos.
Foram,
pegaram o sapo por uma perna e, fxirn bum, rebolaram lá no meio. O sapo
mergulhou, veio em cima da água fritando satisfeito:
-
Eu sou bicho d'água! Eu sou bicho
d'água!
Por
isso quando vemos alguém recusar o que mais gosta, dizemos:
-
É sapo com medo de água...
-
(CASCUDO, Luis da Câmara. Contos tradicionais do
Brasil. São Paulo: Global, 2004; . São
Paulo: Global, 2004;p.196.)
Sapo com Medo D´Água (versão 2)
Dois
homens, fugidos da prisão, pararam na beira da lagoa para matar a sede e
descansar um pouco.
Um
sapo dormia debaixo da samambaia.
Os
bandidos agarraram o sapo.
-
Olha que desengonçado! - disse um
deles, apertando o bicho entre os dedos.
-
É feio que dói! - completou o outro,
com cara de nojo.
E os
dois resolveram fazer maldade.
-
Vamos jogar no formigueiro?
Ouvindo
isso, o sapo estremeceu. Por dentro. Por fora, abriu um sorriso indiferente.
-
Que nada – respondeu o outro,
percebendo que o sapo não estava nem ligando. - Pega a faca. Vamos picar ele
todinho.
O
sapo, de olhos fechados, começou a assobiar uma linda melodia.
Os
dois bandidos queriam dar um jeito de fazer o sapo sofrer.
-
Sobe na árvore e atira ele lá do alto.
-
Pega o fósforo e acende uma fogueira.
Vamos fazer churrasco de sapo!
O
sapo espreguiçava-se tranquilo entre os dedos do homem.
Um
dos bandidos teve outra ideia.
-
Já sei! Vamos afogar o desgraçado na
lagoa!
Foi
quando o sapo deu um pulo desesperado e começou a gritar:
-
Tudo menos isso!
Os
malfeitores, agora sim, tinham chegado onde queriam.
-
Vai pra água, sim senhor!
-
Não sei nadar! - berrava o sapo.
-
Então vai morrer engasgado!
O
bicho esperneava:
-
Socorro!
-
Vai sufocar de tanto engolir água!
-
Não!
-
Vai virar comida de jacaré!
-
Tenho mulher e filhos pra cuidar!
-
Joga bem longe!
-
Me acudam!
-
Lá vai!
O
homem atirou o sapo no fundo da lagoa. O sol estava redondo.
O
sapo – ploft – desapareceu no azul bonito das águas.
Depois
voltou risonho, mostrou a língua e foi embora nadando e cantando e dançando e
requebrando n'água, feliz da vida.
(AZEVEDO, Ricardo. Meu livro de folclore. São
Paulo (SP): Ática, 2006; p.5-8.)
O
Sapo e o Coelho
O
Coelho vivia zombando do Sapo. Achava-o preguiçoso e lerdo, incapaz de qualquer
agilidade. O sapo ficou zangado:
-
Quer apostar corrida comigo?
-
Com você? - assombrou-se o coelho.
-
Justamente! Vamos correr amanhã, você
na estrada e eu pelo mato, até a beira do rio...
O
coelho riu muito e aceitou o desafio. O sapo reuniu todos os seus parentes e
distribuiu-os na margem do caminho, com ordem de responder aos gritos do
coelho.
Na
manhã seguinte os dois enfileiraram-se e o coelho disparou como um raio,
perdendo de vista o sapo que saíra aos pulos. Correu, correu, correu, parou e
perguntou:
-
Camarada Sapo?
Outro
sapo respondia dentro do mato:
-
Oi?
O
coelho recomeçou a correr. Quando julgou que seu adversário estivesse bem
longe, gritou:
-
Camarada Sapo?
-
Oi? - coaxava um sapo
Debalde
o coelho corria e perguntava, sempre ouvindo o sinal dos sapos escondidos.
Chegou à margem do rio exausto mas já encontrou o sapo, sossegado e sereno,
esperando-o. O coelho declarou-se vencido.
(CASCUDO, Luís da Câmara. Contos tradicionais do
Brasil. São Paulo (SP): Global, 2004; p.186.)
A
Dona Raposa e os Peixes
Um
dia, bem cedinho, seu Raposa andava pelo bosque. Ao passar perto de um rio, viu
uma quantidade enorme de peixes nadando. Entusiasmado, ele começou a pescar.
Eram tantos os peixes, e seu Raposo estava tão esfomeado, que em pouquíssimo
tempo pescou três lindas traíras.
Muito
alegre, foi para casa e disse à mulher, ao chegar:
-
Dona Raposinha, olhe só a sorte que
tive hoje!
-
Oh! Que traíras enormes! – exclamou
dona Raposa, já com água na boca.
-
Pois é. Eu como uma, você outra e ainda
vai sobrar uma... Por isso, eu pensei em convidar seu Tigre para almoçar; é
sempre bom agradá-lo...
-
Você é quem manda, querido Raposo. Vou
fritar com muito cuidado essas traíras. Vão ficar deliciosas! Ande, vá convidar
seu Tigre!
Seu
raposo esfregou as mãos satisfeito e saiu em busca de seu Tigre. Dona Raposa se
pôs a preparar os peixes. Quando ficaram bem fritos, o cheiro era tão apetitoso
que ela murmurou:
-
Vou experimentar minha traíra para ver
se ela ficou boa de sal. Só um pedacinho de nada, pois ia ser bem chato se eu a
comesse inteira antes de seu Raposo chegar com o convidado!
Ela
começou a beliscar o peixe e achou-o tão saboroso que se esqueceu do que havia
dito. Em poucos segundos o prato ficou limpo.
-
Estava deliciosa! Agora preciso
experimentar a do Raposo; ele é muito delicado e, se sua traíra não estiver bem
frita, com certeza vai ficar zangado!
Comeu
a cauda torrada, depois uma das barbatanas, a seguir a cabeça e, quando
percebeu, toda a traíra de seu Raposo havia desaparecido.
-
Meu Deus, comi inteirinha! – ela
exclamou.
– Mas, agora, o estrago está feito. Então não
faz mais diferença se eu comer também a última!
E, do
mesmo jeito, comeu a última traíra.
Por
fim, chegou seu Raposo, acompanhado de seu Tigre, e perguntou à mulher:
-
Preparou as traíras?
-
Claro que sim! Ainda estão no fogo para
que não esfriem – ela mentiu.
-
Sirva logo, porque estamos com muito
apetite. Não é verdade, seu Tigre?
-
Sem dúvida, seu Raposo. Eu, pelo
menos... E com esse cheirinho de peixe frito que há por aqui...
-
Vou pôr à mesa – disse dona Raposa. –
Sente-se ali, seu Tigre. Aquele é o seu lugar.
-
Obrigado, dona Raposa.
Seu
Tigre sentou-se e Dona Raposa chamou o marido de lado.
-
Vá até o quintal e afie bem as facas,
pois as traíras eram muito velhas e ficaram duras demais – ela falou.
Seu
raposo correu até o quintal, e dali a pouco podia-se ouvir o barulho que faziam
as facas contra a pedra de amolar.
Dona
Raposa se aproximou de seu Tigre e lhe disse:
-
Você está ouvindo? É meu marido que
está amolando uma faca. Ficou louco e meteu na cabeça que quer comer suas orelhas,
seu Tigre; para isso é que ele trouxe você até aqui. Fuja logo, antes que ele
volte, por favor!
Seu
Tigre se assustou e saiu da casa a todo vapor.
Então,
dona Raposa começou a gritar:
-
Seu Raposo, seu Raposo! Venha logo, que
seu Tigre fugiu levando todas as traíras!
E seu
Raposo, com uma faca em cada mão, começou a correr atrás de seu Tigre,
gritando:
-
Seu Tigre, seu Tigrinho! Me dê pelo
menos uma!
E o
Tigre, achando que seu Raposo se referia às suas orelhas, apertou o passo,
morrendo de medo, e não parou até estar bem fechado e seguro em sua casa.
(Conto Tradicional Venezuelano - Contos
de Artimanhas e Travessuras. Co-edição latino-americana. Editora Ática. 1988. São Paulo.)
De como o Malasartes fez o Urubu falar
Quando
o pai de Pedro Malasartes entregou a alma a Deus, fez-se a partilha dos bens,
uma casinha velha, entre os filhos, e tocou a Pedro uma das bandeiras da porta
da casa, com o que ele ficou muito contente.
Pôs a
porta no ombro e saiu pelo mundo. Em caminho, viu um bando de urubus sobre um
burro morto. Atirou a porta sobre eles e caçou um urubu que ficou com a perna
quebrada.
Apanhou-o,
pôs a porta às costas e continuou viagem.
Obra
de uma légua ou mais, avistou uma casa de onde saía fumaça, o que queria dizer
que se estava preparando o jantar.
Pedro
Malasartes, que sentia fome, bateu à porta e pediu de comer.
Veio
antendê-lo uma preta lambisgóia que foi logo dizer à patroa que ali estava um
vagabundo, com um urubu e uma porta, a pedir de jantar.
A
mulher mandou que o despachasse – que a sua casa não era coito de malandros.
O
marido estava de viagem e a mulher no seu bem bom a preparar um banquete para
quem ela muito bem o destinava. Neste mundo há coisas!
Pedro
Malasartes, tão mal recebido que foi, resolveu subir para o telhado, valendo-se
da porta que trazia e lhe serviria de escada. Subiu e ficou espreitando o que
se passava naquela casa, tanto mais que sentia o cheiro dos bons petiscos.
Espiando
pelos vãos das telhas viu os preparativos e tomou nota das iguarias, e ouviu as
conversas e confidências da patroa e da negra.
Justamente
na hora do jantar chegou o dono da casa que resolveu voltar de inesperado da
viagem que fazia.
Quando
a mulher percebeu que ele se aproximava mandou esconder os pratos do banquete e
veio recebê-lo e abraçá-lo, muito fingida, muito risonha, mas por dentro
queimando de raiva.
Vai
daí mandou pôr na mesa a janta que constava de feijão aguado, paçoca de carne
seca e cobu, dizendo:
-
Por que não avisou, marido? Sempre se
havia de aprontar mais alguma coisa…
Sentaram-se
à mesa.
Pedro
Malasartes desceu de seu posto e bateu na porta, trazendo o urubu.
O
dono da casa levantou-se e foi ver quem era.
O
rapaz pediu-lhe um prato de comida e ele chamou-o para a mesa a servir-se do
pouco que havia.
A
mulher estava desesperada, desconfiando com a volta de Malasartes.
Pedro
tomou assento, puxou o urubu para debaixo da mesa, preso pelo pé num pedaço de
corda de pita.
Estavam
os dois homens conversando, quando de repente o Malasartes pisou no pé quebrado
do bicho e este se pôs a gritar: uh! uh! uh!
O
dono da casa levou um susto e perguntou que diabo teria o bicho.
Pedro
respondeu muito sério:
-
Nada! São coisas. Está falando comigo.
-
Falando! Pois o seu bicho fala?!
-
Sim, senhor, nós nos entendemos. Não vê
como o trago sempre comigo? É um bicho mágico, mas muito intrometido.
-
Como assim?
-
Agora, por exemplo, está dizendo que a
patroa teve um aviso oculto da volta do senhor e por isso lhe preparou uma boa
surpresa.
-
Uma surpresa! Conte lá isso como é.
-
É deveras! Uma excelente leitoa assada
que está ali naquele armário…
-
Pois é possível! Ó mulher, é verdade o
que diz o urubu desse moço?
Ela
com receio de ser apanhada com todo o banquete e certa de que Pedro sabia da
marosca, apressou-se em responder:
-
Pois então? Pura verdade. O bicho
adivinhou. Queria fazer-te a surpresa no fim do jantar.
E
gritou pela preta:
-
Maria, traz a leitoa.
A
negra veio logo correndo, mas de má cara, com a leitoa assada na travessa.
Daí a
pouco, Pedro Malasartes pisou outra vez no pé do urubu que soltou novo grito.
-
O que é que ele está dizendo?
-
Bicho intrometido! Está candongando
outra vez. Cala a boca, bicho!
-
O que é?
-
Outras supresas.
-
Outras?!
-
Sim, senhor: um peru recheado…
-
É verdade, mulher?
-
Uma surpresa, maridinho do coração.
Maria, traz o peru recheado que preparei para o teu amo.
Veio
o peru. E pelo mesmo expediente conseguiu Pedro Malasartes que viessem para a
mesa todas as iguarias, doces e bebidas que havia em casa.
Ao
fim do jantar, o dono da casa, encantado com as proezas do urubu, propôs
comprá-lo a Pedro Malasartes, que o vendeu muito bem vendido, enquanto a mulher
e a preta bufavam de raiva, crentes também, no poder mágico do bicho que,
assim, seria um constante espião de tudo quanto fizessem.
Fechado
o negócio, Pedro Malasartes partiu satisfeito e vingado.
(Lindolfo Gomes. Contos populares. São
Paulo, Companhia Melhoramentos, v. 1. In APOCALYPSE, Mary (org.). Publicado no
site Estórias e lendas de Minas Gerais, Espírito Santo e Rio de Janeiro: http://www.jangadabrasil.com.br/janeiro/cd50100c.htm#apocalypse)
Referências para leitura
CASCUDO,
Luís da Câmara. Contos Tradicionais do Brasil. São Paulo(SP): Global,
2004.
MACHADO,
Ana Maria. Jabuti Sabido e Macaco Metido. Rio de Janeiro(RJ): Objetiva;
2011(faz parte do acervo do PNLD 2013, 2014, 2015).
PAMPLONA,
Rosana. Novas Histórias Antigas. São Paulo(SP): Brinque-Book, 1998.
VASQUEZ,
Adolfo Sanchez. Ética. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
1996.
VÁRIOS
AUTORES. Contos Populares para Crianças da América Latina. Coedição
latino-americana. São Paulo(SP): Editora Ática, 1994.
[1]
Formadoras do
Programa “Ler e Escrever” Kátia Lomba
Bräkling (Supervisora de Língua Portuguesa). Julho de 2014. CEFAI
[2]
O conto “A Velhinha Inteligente”, por exemplo, apresentado a seguir, refere-se
à cidade de Carcassonne, localizada no sul da França (PAMPLONA, Rosana. Novas
Histórias Antigas. São Paulo: Brinque-book.). Contos de Esperteza[1]
Fragmento do projeto produção de final de contos
de esperteza
Arte e manha na escrita de
autoria
Contos de artimanha: narrativas, geralmente
curtas, nas quais os personagens – humanos ou animais – utilizam-se de ardis
(armadilhas ou disfarces), truques, malandragens, gambiarras e espertezas para
garantir sua sobrevivência ou mesmo a vitória contra forças maiores que a sua.
Em tais contos – de artimanha; ou de
manhas e artimanhas; ou de astúcia, ou ainda, de esperteza,
como costumam ser denominados – a trama é sempre organizada em torno de um personagem que utiliza a esperteza para obter o que deseja,
ludibriando outro – ou outros – personagem ingênuo ou, pelo menos, não tão
esperto como o protagonista. Dessa maneira, os ardis são sempre inesperados e
engenhosos, nunca havendo uso de estratégias usuais e previsíveis.
Estes protagonistas - que podem
ser pessoas ou animais – acabam por representar a possibilidade de ludibriar
certos valores da sociedade que os segrega ou exclui, valores estes
sintetizados na figura de seu antagonista. Assim, podem ser personagens que
sofrem pela pobreza, o que lhes acarreta ausência de dinheiro, de comida e bens
materiais; podem sofrer por problemas que se realizam no interior da família
(ou de um casal, como a traição) que desafiam astuciosamente os valores morais
vigentes; podem, ainda, ser alvo do autoritarismo de representantes de classes
sociais hierarquicamente superiores.
(...) Os contos de artimanha são comumente
organizados no eixo temporal, quer dizer, as ações narradas são apresentadas em
uma ordem e sequência de tempo claramente indicadas. O tempo da narrativa
costuma ser indefinido, mas o local pode ser
especificado
em alguns textos, já que se referem à tradição oral e, dessa forma, a sua origem
histórica pode remeter a uma região específica[2] . As
relações de causalidade marcam a progressão temática no que se refere à relação
existente entre os motivos do protagonista, a estratégia que desenvolve para
resolver o problema colocado a ele e às consequências/resultados do plano
executado.
Nestes contos não há a presença do elemento mágico típico
dos contos de fadas e de encantamento: a astúcia do protagonista o substitui.
Tampouco há príncipes, reis e princesas: sendo assim, quando acontece a resolução
do problema por meio do casamento, este acontece com a filha do patrão, por
exemplo.
Do ponto de vista
especificamente textual, a artimanha do protagonista costuma ser apresentada ao
leitor – e comumente também aos seus antagonistas - no momento em que está
sendo desenvolvida na história, e não de maneira antecipada. Quer dizer: em
tais textos, não é usual que haja antecipação do plano do personagem esperto ao
leitor; ao contrário, este toma conhecimento do plano na medida em que está
sendo posto em ação, o que coloca suspense no texto, quase sempre
surpreendendo, ao final, tanto personagens quanto leitores.
IMPORTANTE
SABER
· Nos
contos de artimanha a trama é conduzida sob a ótica de um herói malandro que
troça de ricos, poderosos, de instituições, mas também de indivíduos comuns
cujo comportamento destoa de um padrão convencional.
Na trama, o protagonista costuma
agir: a) para melhorar a sua situação ou a situação de um aliado, procurando
obter recompensa, ou então explorando uma situação que possa lhe render algum
benefício material; b) para proteger-se de uma ameaça ou agressão, vinda de
alguém que o subestima, e/ou explora ou a um aliado; c) punir um oponente,
vingando-se dele.
Como
ficam esses aspectos quando se trata de contos que envolvem apenas animais?
Nesse
caso, a esperteza e a astúcia são as únicas armas de que o animal de porte
pequeno dispõe – com possibilidade de vitória - para enfrentar o inimigo mais
forte. O antagonista é representado, portanto, por aquele que é superior ao
esperto em relação à força física e tamanho. Isso se justifica considerando que
na lógica da natureza, sobrevive quem é mais forte. O conto de esperteza mostra
a possibilidade de subverter essa lógica por meio da esperteza
· Na
fábula, os animais representam as virtudes e defeitos humanos, segundo a visão
do homem. Este é o critério de seleção dos mesmos para a composição da trama.
Por exemplo: a raposa costuma representar a astúcia; o coelho, a rapidez,
agilidade; o macaco, traquinagem e esperteza; a cegonha, a pureza, maternidade,
bondade.
A finalidade da fábula é mostrar
ao homem a sua condição e regras morais que deveria respeitar. Assim sendo, a
característica de cada animal é apenas servir ao propósito de ensinar ao homem
por meio de uma comparação.
As relações estabelecidas entre os animais
das fábulas são, portanto, diferentes daquela estabelecida no conto de
artimanha: nestes, o que vale é a possibilidade de subverter uma relação de
predador-presa; uma ideia de que o maior e mais forte fisicamente sobrevive
pela seleção natural. Nas fábulas isso não se coloca.
Conhecendo um conto e seu personagem principal
Pedro
Malasartes e o Lamaçal Colossal
Objetivo:
· Conhecer
um conto de artimanha e familiarizar-se com algumas das características desse
tipo de conto.
Encaminhamentos:
Leitura de um conto de artimanha pela professora
Avise aos alunos que você lerá um conto de
artimanha, chamado “Pedro Malasartes e o Lamaçal Colossal”, do livro “Histórias
à Brasileira”. Antes da leitura, pergunte à
classe:
· Vocês
já ouviram falar em contos de artimanha?
· Que
tipo de conto pode ser esse?
· Será
que a palavra artimanha pode ajudar a entender do que se trata?
Discuta
as respostas, procurando referenciar-se, sobretudo, na palavra artimanha,
discutindo seu significado, comparando com sinônimos, por exemplo.
Leia
o texto todo. Após a leitura proponha uma discussão sobre o texto lido, fazendo
perguntas como:
· Vocês
já conheciam histórias parecidas com essa?
· Já
tinham ouvido falar do Pedro Malasartes?
· Por
que será que esse conto pode ser chamado de conto de artimanha?
AMPLIANDO
INFORMAÇÕES
Pedro
Malasartes
De
acordo com o pesquisador da cultura nacional Luís Câmara Cascudo, "Pedro
Malasartes [ou Malazartes] é figura tradicional nos contos populares da
Península Ibérica, como exemplo de burlão invencível, astucioso, cínico,
inesgotável de expedientes e de enganos, sem escrúpulos e sem remorsos."
A
menção mais antiga feita ao personagem é na cantiga 1132 do Cancioneiro da
Vaticana, datado do século XIII e XIV:
"chegou
Payo de Maas Artes com seu cerame de chartes… semelha-me busuardo viindo en
ceramen pardo… log'ouve manto e tabardo".
Há
informações de que até mesmo o grande romancista, dramaturgo e poeta espanhol
Miguel de Cervantes Saavedra, escreveu sobre este ícone em sua comédia PEDRO
DE URDEMALAS, que compõe o livro Ocho comedias y ocho entremeses nuevos (1615).
Outras versões deste
personagem surgem em várias regiões da Europa, como Pedro Urdemales em
Castela, Till Eulenspiegel na Alemanha e Pedro de Urdes Lamas na
Andaluzia.
Duas óperas
brasileiras tem o personagem por protagonista: Malazarte de Oscar Lorenzo
Fernández e Graça Aranha, e Pedro Malazarte, de Mozart Camargo Guarnieri e
Mário de Andrade.
Na
literatura, vários autores usaram o personagem e nos cinemas o ele tomou
corpo com As Aventuras de Pedro Malasartes, de 1960, com Mazzaropi no papel
principal.”
Fontes:
http://www.ebc.com.br; Cancioneiro da Vaticana, Biblioteca Digital do
Alentejo, p. 281;
|
Leitura Compartilhada e Análise
do Conto de Artimanha “A Velhinha Inteligente”
Objetivo
· Ampliar
– e aprofundar - conhecimentos sobre a linguagem e os recursos discursivos
presentes nos textos apresentados para leitura.
Encaminhamentos
Estudo
do conto junto à classe.
Retome o conto do Pedro Malazarte, lido na aula anterior, e faça uma nova leitura com a
classe, com o objetivo de que todos recuperem a história.
Entregue o texto A Velhinha Inteligente para
os alunos. Leia-o enquanto eles acompanham. No final, comece, então, o estudo
do texto a partir de questões orientadoras. A intenção, nesse momento, é
aprofundar a compreensão dos alunos e, ao mesmo tempo, estudar os recursos
discursivos e linguísticos nele apresentados.
Entregue
o texto para os alunos.
Para
o estudo do conto “A Velhinha Inteligente”, sugerimos as seguintes questões:
Essa é uma história criada por um autor ou que vem
sendo contada de boca em boca, ao longo do tempo.
1)
Como é possível saber isso?
2)
Onde encontramos pistas no texto a esse
respeito?
Comentários:
Na
discussão com os alunos, oriente para que procurem no texto o trecho que contém
pistas sobre a resposta. Nesse caso, o primeiro parágrafo já indica que a
história é antiga, conhecida de todos, e que vem se modificando ao longo do
tempo.
É importante remeter o
aluno à fonte – caso eles não recorram a ela espontaneamente – para
problematizar dois aspectos:
· o
primeiro refere-se à presença da autoria que, nesse caso, relaciona-se com a
reescrita, a elaboração de uma nova versão da história pelo escritor indicado;
· o
segundo aspecto refere-se ao título da obra – Novas Histórias Antigas – que
ratifica a ideia de que são histórias que já existem há muito tempo e que estão
sendo recontadas pela autora.
3) Em qual
trecho inicial o leitor já tem uma pista de que pode se tratar de um conto de
artimanha?
Comentários:
Pretende-se
que os alunos recuperem uma das características fundamentais do conto de
artimanha, que é a presença de um protagonista esperto, engenhoso.
Logo
no primeiro parágrafo há uma pista a respeito, quando se diz que “a cidade foi
salva graças à esperteza de uma mulher”.
4) É
possível saber no início do conto qual era o plano da madame Carcas para salvar
a cidade dos guerreiros inimigos?
Comentários:
Esta
pergunta remete à uma estratégia discursiva e textual dos contos de artimanha
que é a de não apresentar previamente o “plano” do protagonista para o leitor e
demais personagens da história. Nestes contos, o estratagema do protagonista
vai sendo conhecido na medida em que vai sendo desenvolvido. Isto provoca um
suspense durante a narrativa e um final inusitado, não esperado, que surpreende
a todos, resultado do ardil, da esperteza e da inteligência do protagonista.
Nesse
sentido, espera-se que os alunos percebam que – no texto - o plano não é
anunciado e depois executado; ao contrário, ele só vai sendo conhecido quando
posto em prática, aos poucos. A madame Carcas não conta à população da cidade o
que vai fazer. Apenas vai dando ordens a todos, para providenciarem isso e
aquilo. Só ao final é que se pode ter uma ideia de tudo o que ela engendrou
para conseguir vencer o inimigo.
Para responder a esta questão, os alunos precisarão ir identificando
o modo pelo qual ficam sabendo – ao ler o texto – do plano da senhora Carcas.
Isso remete à localização de informações em diferentes trechos do texto, e à
articulação de todos eles para a totalização do plano, em si. Os diferentes
trechos seriam relativos aos pedidos que a madame vai fazendo à população, os
quais são fundamentados no conhecimento que ela tem dos moradores da cidade –
já que ela é uma velhinha, ou seja, antiga moradora
e, dessa forma, conhecedora da população – e, além disso, no seu intento:
enganar os inimigos, conhecendo também seu ponto fraco.
Para
responder a questão é preciso, antes de qualquer coisa, identificar o plano, o
que remete à articulação das informações dos trechos e elaboração da ideia
totalizadora do plano. Dito em outras palavras, só se compreende qual é o plano
no final do texto, e não antes, depois de todas as etapas executadas.
Sintetizando: o
plano da Madame Carcas era induzir o inimigo a ir embora, fazendo-o acreditar
que a cidade tinha condições de resistir muito tempo, mais do que eles, pois
tinham alimentação suficiente para continuar resistindo ao cerco. Como ela faz
isso? Mostrando aos soldados que tinham muitas provisões, o que é conseguido
com a “fuga” da vaca. Na verdade, Madame Carcas antecipa a reação dos soldados,
que estavam morrendo de fome: se a cidade deixasse “escapar” a vaca, bem
alimentada, certamente os soldados a matariam para comer. Ao fazerem isso,
veriam como estava bem alimentada. Concluiriam que a população tinha muitas
provisões e, dessa forma, poderiam resistir ao cerco por muito mais tempo que
eles.
d)
Por que todos acham um absurdo os pedidos que a Madame Carcas vai fazendo
durante a história?
Comentários:
Para
responder a essa questão os alunos precisarão analisar a reação dos moradores
dentro da situação em que se encontravam: sitiados e com fome, por causa da
escassez de alimentos. Os pedidos da Madame Carcas estavam levando a população
a abrir mão dos últimos alimentos que tinham à disposição, o que –
aparentemente - a colocava em desvantagem em relação ao inimigo.
Nessa
questão é importante que sejam analisados cada pedido feito e de que modo se
relacionam com o plano urdido pela protagonista. Além disso, é preciso levar em
conta quem era ela: uma antiga moradora que, dessa forma, conhecia muito bem
todo mundo. Esse fato, por exemplo, possibilitou que ela inferisse que o
avarento da cidade tivesse escondido uma vaca na sua casa.
É
importante articular a discussão dessa questão com o estudo feito na questão
anterior.
e)
Por que o plano de Madame Carcas dá certo?
Comentários:
Articule
essa discussão com a das duas questões anteriores. Focalize que o plano dá
certo por vários motivos:
1)
a velha senhora conhece as condições em
que o inimigo está (com fome, também, e sem provisões);
2)
ela sabe que a saída é fazer com que os
soldados desistam do cerco, pois a cidade não resistiria por muito tempo;
3)
Madame Carcas antecipa uma razão que
poderia levar os soldados à desistência: imaginar que a cidade está mais forte;
4)
a velha senhora conhece muito bem a
população, e sabe, inclusive que há um avarento que, provavelmente, estaria
escondendo uma vaca na sua casa;
5)
Madame Carcas consegue antecipar a
reação dos soldados e a conclusão a que chegaria o chefe deles.
f)
Algumas palavras e expressões usadas no texto indicam que ela tinha muita
certeza que seu plano daria
certo. Quais são elas?
Comentários:
Nesta
questão pretende-se que os alunos estejam atentos para os recursos linguísticos
empregados no texto, as palavras selecionadas para indicar a certeza da
senhora. Isso é fundamental no texto porque ratifica uma característica da
protagonista: ser inteligente e saber muito bem o que estava fazendo.
g) De
que forma o plano de Madame Carcas é revelado no texto?
Comentários:
A
intenção, com essa pergunta, é deslizar da discussão do conteúdo semântico, em
si, para a estratégia textual. Ou seja, é focalizar que o plano não foi
apresentado para o leitor primeiro para, depois, fosse mostrado de que maneira
foi desenvolvido e executado na cidade, junto à população.
Nesse momento, é possível que
você apresente para os alunos uma alternativa de redação, caso a estratégia
textual não seja observável para eles.
A
alternativa poderia ser a seguinte: pegue o conto lido e, depois do 4º
parágrafo, que termina com “não faria mal escutá-la”, introduzam o seguinte
trecho:
“A
velha senhora, então, revelou à população o que pretendia fazer:
Precisamos
enganar os soldados fazendo com que eles pensem que podemos resistir mais do
que eles. Vamos fazer com que pensem que temos provisões de sobra e que eles não
aguentarão tanto tempo quanto nós. Meu plano, então, é o seguinte: pegamos uma
vaca, damos de comer a ela com os alimentos que nos restam e deixamos que ela
“escape” da cidade. Eles, famintos como estão, certamente vão tentar comer a
vaca... Então, primeiro, tragam-me uma vaca – pediu ela.”
Leia
o texto com essa nova redação e, se possível, permitam que os alunos vejam o
texto enquanto é lido (para isso, prepare-o antes com o recurso que você tiver
disponível na escola).
Leia
um ou dois parágrafos seguintes e perguntem a eles que diferença faz escrever o
texto dessa forma ou como no original. A ideia é que possam perceber que:
a)
contar antes tira o suspense da história e, portanto, a surpresa final;
b)
contar o plano antes não é tão interessante para o leitor quando se ele ficar
sabendo só quando ele for executado;
c)
não seria possível conseguir tanta indignação dos moradores se eles já
soubessem do plano, o que também contribui para a quebra do suspense e não
prenderia tanto a atenção do leitor.
Estudo
de Texto Focalizando seus Recursos Discursivos e Linguísticos.
Sapo
com medo d’água
Objetivos
· Compreender
um conto de artimanha lido a partir dos elementos constitutivos da sua
organização interna (ardis e truques para enganar o oponente; identificação do
protagonista e do antagonista; identificação do plano do protagonista;
identificação dos motivos do protagonista para ludibriar o vilão).
· Identificar,
a partir da mediação do professor, recursos linguístico-discursivos empregados
em dois contos de artimanha e os efeitos de sentido que provocam.
Encaminhamentos
Leitura
das duas versões do conto “Sapo com medo d’água”.
Nessa
etapa, sugerimos que sejam lidas as versões do conto “Sapo com medo d'água”, de
Ricardo Azevedo e Câmara Cascudo. Leia os textos em dias distintos e converse
com as crianças sobre as semelhanças e diferenças entre as duas histórias,
focalizando não apenas aspectos semânticos, mas discursivos e textuais.
Faça
uma primeira leitura de um dos contos e converse com o grupo fazendo perguntas
que ajudem a verificar se as crianças compreenderam o texto.
Estas
perguntas devem remeter-se às características fundamentais de um conto de
artimanha, ou sejam, devem referir-se a:
a) quem
é o protagonista –personagem esperto, que vai enganar o vilão - nessa
história?;
b) como
você sabe disso?;
c) quem
é o antagonista, o vilão?;
d) como
você sabe disso?;
e) qual
o plano do protagonista?;
f) ele
consegue enganar o vilão?;
g) por
que você acha que o protagonista quis enganar o vilão?;
h) como
você sabe disso?
Em
seguida, releia o conto analisando, junto com os alunos, os recursos
discursivos e textuais empregados no textos e os efeitos de sentido que
provocam. Considerem os comentários e as orientações apresentadas a seguir.
Comentário:
Na primeira
versão, os seguintes aspectos podem ser discutidos com os alunos:
a) O título
do texto - “Sapo com medo d´água” – contraria tanto o possível repertório
do aluno, quanto a lógica do conto de artimanha, no qual o protagonista é
sempre esperto, inteligente, ardiloso: sapo não tem medo de água; o sapo não
pode ser medroso, se é o protagonista. O título, enquanto recurso textual e
discursivo que supõe redução de informação semântica do texto como um todo,
costuma possibilitar ao leitor antecipar sentidos do texto. Nesse caso, pode, à
primeira vista, apresentar uma contradição. No entanto, sabendo-se que sapo não
tem medo de água, podemos considerar que o leitor já tem – a partir desse
título - uma pista sobre quem será o esperto, quem estará enganando, qual a
estratégia do protagonista. Nesse sentido, o título passa a ser um recurso
provocativo; explicitador da estratégia do sapo.
b) A primeira
frase – “O sapo é esperto.” - embora contrarie o título, confirma a
esperteza do sapo; ao mesmo tempo ativa a capacidade do leitor para estabelecer
a relação entre o que ele sabe sobre o sapo, a contradição em relação ao título
e quem será o protagonista do conto, considerando as características de textos
desse gênero. É possível, inclusive, inferir qual será a estratégia do sapo
para enganar seu antagonista.
c) A organização do diálogo, foi elaborada
quase sem a presença de verbos ‘discendi’ (verbos de dizer: aqueles que
especificam a fala a ser apresentada em cada turno: disse, falou, respondeu,
retrucou, perguntou, indagou, murmurou, entre outros); e quase sem referências
à origem – ‘autor’ - da fala de cada turno. Esse recurso provoca um efeito de
agilidade nas falas e, dessa forma, rapidez à ação da trama, pelo menos até a
fala “Vamos botar o sapo na lagoa!”.
Depois disso – quando o
final se anuncia e a estratégia está para ser concretizada -, a diferença é
visível: há, por duas vezes, o anúncio completo fala do sapo7 (‘Aí osapo ficou
triste começou a pedir, com voz de choro:’ e O sapo mergulhou, veio em cima
da água fritando satisfeito:’); há, ainda, o apresentação da fala dos meninos,
após a primeira fala do sapo (‘Vamos para a lagoa – gritaram os
meninos’). É importante tematizar junto aos alunos as pistas que o texto
oferece para que identifiquemos quem está falando o que.
Algumas orientações:
· na primeira
fala, a referência ao sapo como objeto da ação do nós implícito em ‘vamos’
– os meninos - indica que não é ele quem fala; a 1ª pessoa do plural
(referente aos meninos) indica quem fala;
· na segunda
fala, o verbo de dizer - ‘dizia’ - e a referência à fonte – o
sapo – explicitam quem fala. Além disso, há a referência a “meu couro”, que
é mais coerente com o personagem sapo, e a ideia de que não adiantaria jogá-lo
nos espinhos – intenção dos meninos, apresentada na fala anterior;
· na terceira
fala, o verbo na primeira pessoa do plural – ‘vamos’ – já
indica quem fala; além disso, há uma referência a ele – o sapo -, o que
indica que não pode ser o sapo quem fala;
· na quarta
fala, como há uma alternância, e também pelo conteúdo semântico da fala
(pois fogo pode matar sapo e, se alguém está dizendo que não, só poderia ser o
sapo para salvar-se, o que é coerente com sua estratégia para enganar os
meninos), fica fácil deduzir quem fala;
· a quinta
fala possui as mesmas características que a terceira;
· a sexta
fala é semelhante à quarta: há uma alternância de turno, e também o
conteúdo semântico da fala denuncia o seu autor (pois pedra pode matar sapo e,
se alguém está dizendo que não, só poderia ser o sapo para salvar-se, o que é
coerente com sua estratégia para enganar os meninos);
· na sétima
fala, o verbo na 1ª pessoa do plural, identifica os falantes;
· na oitava,
vale a justificativa apresentada para a 4ª fala;
· na nona
fala, vale o exposto para a sétima.
A diferença na redação das sequências
dialogais do texto – quando colocadas em comparação - provocam o efeito de
sentido que confere rapidez à primeira parte – ‘bate-volta’ e ‘pingue-pongue’
-, e mais lentidão à segunda;
d) O
efeito de lentidão conferido à segunda parte é bastante adequado às intenções
semânticas: necessidade
de o
sapo demonstrar medo para convencer mesmo os meninos de que ele deveria ser
jogado na água; isso
coloca a necessidade textual de explicar,
qualificar a ação para que se tenha uma ideia mais clara da
dramatização/encenação realizada pelo sapo,
e com sucesso.
Na segunda
versão do conto “Sapo com Medo d’água” – a versão de Ricardo Azevedo –
encontramos uma progressão organizada de maneira diferente e uma estratégia do
protagonista também diferente.
Nela, a estratégia do
protagonista é manter-se tranquilo e calado enquanto os bandidos pensam em
maneiras de fazer maldades ao animal que, de fato, poderiam prejudicá-lo.
Quando os antagonistas tem a ideia de jogá-lo na lagoa é que ele se põe a
falar, como se fosse a pior coisa que poderiam fazer com ele. A partir desse
momento – com a fala Tudo menos isso” – é que o diálogo fica rápido, com
verbos de dizer escasseando progressivamente, assim como a indicação do
falante.
Depois
da leitura dos dois textos, oriente um trabalho de comparação entre eles,
focalizando os aspectos estudados em cada um.
As
perguntas a seguir podem orientar uma conversa sobre os textos:
a) quem
pega o sapo e por qual razão, em cada uma das versões?;
b) quais
ameaças são feitas ao sapo e como ele reage, em cada uma das versões?;
c) qual
o plano do sapo em cada um dos textos?;
d) quais
são os desfechos?;
d) qual
plano vocês acharam mais interessante? Por que?;
e) de
qual texto vocês mais gostaram? Por que?.
Ao
final do estudo comparativo, aproveite para conversar com seus alunos sobre o
fato de que os contos de artimanha, assim como os contos de fadas, têm suas
raízes na tradição oral, ou seja, são histórias muito antigas que foram
transmitidas ao longo do tempo de geração a geração. Por isso, muitas delas têm
diferentes versões, pois, cada pessoa, depois de ouvir a história, conta de seu
jeito.
Anexo – textos
Pedro
Malasartes e o Lamaçal Colossal
Você
conhece o Pedro Malasartes? Se não conhece, pode ir se preparando porque ele
pode aparecer aqui a qualquer hora.
Ele
não esquenta lugar, está sempre indo de um canto para outro. Fica um tempinho
trabalhando numa fazenda, sai e vai para outro emprego num sítio, daí a pouco
já está numa vila vendendo umas coisas na feira... Quando a gente menos espera,
Pedro já está de novo na estrada, a caminho da cidade ou de outra fazenda onde
possa ter uma oportunidade melhor. Muda toda hora, sempre em busca de um
trabalho mais bem pago, de um patrão que trate bem, de um negócio mais
interessante. Por isso, em cada história ele está fazendo alguma coisa
diferente. E sempre procurando dar um jeito de se defender, garantir um prato
de comida e não ser explorado. Mesmo que, para isso, acabe enganando alguém.
Acho
que uma das primeiras aventuras de Pedro Malasartes foi quando ele foi tomar
conta dos porcos de uma fazenda muito grande, de um fazendeiro muito rico e
muito sovina.
Quer
dizer, no começo Malasartes não tomava conta dos porcos, não. Trabalhava na
colheita. Aliás, bem nesse começo ele ainda nem se chamava Malasartes, era só
mais um Pedro como tantos outros que ainda não tinha ficado conhecido por fazer
arte nem por pregar pela nos outros. Chegou lá pedindo emprego e foi contratado
para colher café.
Pedro trabalhou o
mês inteiro. De manhãzinha até a noite. No fim desse tempo, quando chegou o dia
do pagamento, o patrão deu a ele umas moedinhas.
Só
isso, patrão? E o salário que a gente combinou?
Bom,
eu tive que descontar sua hospedagem... Se eu for hospedar de graça todo mundo
que chega nesta fazenda colossal...
E o
senhor chama de hospedagem dormir amontoado com os outros naquele barracão,
numa esteira velha, direto no chão duro? - reclamou ele.
Faz
até bem para a coluna...
Pedro
insistiu:
·
Mas foi uma hospedagem muito cara. Eu
tenho pra mim que eu não dormi esse tantão, não...
Não
adiantou insistir. O desconto estava feito. E o patrão ainda apareceu com outra
explicação:
·
É que tem também o desconto da comida.
Se eu for dar comida de graça para todo mundo que chega nesta fazenda
colossal...
·
Um descontão desses? Pela comida? Só
aquele feijãozinho talo todo dia? E o senhor queria que eu passasse fome?
Trabalhasse sem comer? Saco vazio não fica em pé...
·
Claro que não quero ver você com fome!
Mas comida custa dinheiro - respondeu o patrão. Tenho que descontar do seu
salário o preço do feijão com arroz, do sal, da linguiça, da lenha que cozinhou
a comida, do óleo, do alho e da cebola que a cozinheira usou no refogado, do
salário da cozinheira, do sabão que lavou as panelas, do...
·
Chega, patrão, chega! Não precisa mais
falar tanto em desconto. Mas eu tenho pra mim que eu não comi esse tantão,
não...
Não
adiantou discutir. O desconto estava feito.
Pedro resolveu que no
mês seguinte ia ser diferente. Trabalhou do mesmo jeito, de sol a sol, mas não
dormiu no barracão nem comeu com os outros. Com o pouquinho de dinheiro que tinha ganho comprou na venda sua
própria esteira e dormia embaixo de uma árvore. Pescava no ribeirão, armava
arapuca na mata, e no fim do dia quase sempre tinha alguma coisa para assar
numa fogueira ao ar livre. Arrumava uma frutinha aqui, outra ali, pegava uma
espiga de milho verde num milharal, uma raiz de mandioca numa roça, umas folhas
de taioba crescendo ao deus dará junto do córrego... Quase sempre dava um jeito
de não comer com os outros. Dessa vez o patrão ia ver só. Não ia adiantar vir
com aquela conversa de fazenda colossal.
Mas,
na hora do pagamento, não foi muito diferente. O patrão descontou um tantinho
pelo aluguel do pedacinho de terra onde ele armava a esteira, outro tantinho
pelo uso do rio, e outro tantinho pela espiga de milho, pela raiz de mandioca,
pelas folhas da taioba, por tudo o que ele tinha comido.
Chega,
patrão, chega! Não precisa falar mais em tanto desconto. Mas eu tenho pra mim
que eu não usei esse tantão, não... - reclamou Pedro.
·
Se é assim, vou-me embora. Não trabalho
mais aqui.
O
patrão coçou a cabeça, olhou pra ele e disse:
·
Só se for no mês que vem. Porque neste
mês agora vai ter que trabalhar pra mim, para poder acertar nossas contas.
·
Nossa contas? Como assim? - estranhou
Pedro.
·
É que ainda falta acertar sua conta com
o armazém.
·
Que armazém? - estranhou Pedro de novo.
·
Uai, aquela vendinha na beira da
estrada. Você não sabe que é minha?
·
E eu lá tenho conta em armazém?
·
Como não tem? E a esteira que você
comprou?
·
Comprei e paguei, com muita honra! -
exclamou Pedro furioso.
·
Pagou a esteira, mas também comprou
também um pedaço de fumo de rolo e uma cachacinha... Ou não lembra que comprou?
·
Comprei e também paguei, com muita
honra! - exclamou Pedro, furioso!
·
Pagou a primeira... - concordou o patrão. Mas
depois pediu outra, e mais outra, e não tinha mais dinheiro para pagar. Mandou
botar na conta. O vendedor anotou tudo. E agora você tem que pagar. Se eu fosse
deixar de graça tudo o que todo mundo compra nessa fazenda colossal...
Pedro
protestou:
·
Eu tenho pra mim que eu não bebi e não
fumei esse tantão, não...
Com
ar de bonzinho, o fazendeiro completou:
Mas
pode deixar para pagar uma parte no mês que vem.
Pedro
saiu dali muito zangado. Mão lembrava de ter bebido muitas doses de pinga. Mas
até podia ser. Bem que a mãe dele dizia que isso de tomar uma cachacinha é
desgraceira.
De
qualquer modo, uma coisa ele estava entendendo: aquilo não ia ter fim nunca.
·
Esse fazendeiro é um explorador! Vem
com essa conversinha mole de fazenda colossal, mas está querendo me tratar
feito se eu fosse um escravo. Não me paga e não em deixa ir embora. Ah, mas
isso não vai ficar assim. Vou dar um jeito.
No
dia seguinte, procurou o patrão e se ofereceu para tomar conta dos porcos da
fazenda. Esses porcos eram o grande orgulho do fazendeiro. Gordos, bonitos,
rendiam um bom dinheiro... Mas comiam muito, fediam muito e bem que davam
trabalho. Qualquer esforço para tomar conta deles era sempre bem-vindo.
·
Tudo bem. Então vá cuidar da lavagem
deles.
Era
duro. Uma espécie de trabalho de lixeiro. Pedro tinha que ir de casa em casa,
por toda a fazenda, recolhendo restos de comida, cascas de frutas, alimentos
estragados, todo tipo de sobra, e botando tudo nuns latões enormes e pesados,
que cheiravam mal. Depois carregava baldes d’água do ribeirão, misturava tudo,
jogava nos cochos e abria a porteira do cercado. Os porcos entravam correndo,
derrubando uns aos outros, e se amontoavam para a comilança. No meio de uma
sujeirada incrível.
Mas
Pedro não desanimou. Fez tudo direitinho, no capricho. Quando acabou, perguntou
ao patrão:
·
Agora posso levar os porcos para
passear?
Passear?
Nunca ouvi falar em porco passeando. Ficou maluco?
·
Com todo o respeito, senhor, eu sempre ouvi
dizer que exercício faz bem aos animais,
a carne deles rende mais e fica maciazinha... Dá um preço ótimo na hora de
vender.
Os
olhos do fazendeiro brilharam, e ele perguntou, interessado:
·
E como é que você vai levar esses
porcos para passear?
·
Ah, patrão, numa fazenda colossal como
esta, com toda a certeza não vai faltar um lugar bem especial para seus
porquinhos fazerem exercícios. Eu fico tomando conta, como se fosse um pastor,
um vaqueiro...
O
patrão deu risada:
Um
porqueiro, você quer dizer. Mas... pode levar. Só tenha cuidado para eles não
se soltarem, não invadirem as roças, não darem prejuízo.
·
Pode deixar, patrão. Já vi um lugar
aqui perto que tem uma laminha muito simpática. Acho que eles vão gostar bastante.
Isso
foi o que Pedro disse. O que ele não disse é que passara a noite carregando
água do córrego para jogar num terreno à beira da estrada, que tinha sido
capinado e estava pronto para ser plantado. A noite inteira, para lá e para cá.
Desse jeito, Pedro tinha preparado um lamaçal colossal. Levou os porcos
diretamente para lá, sentou-se me cima de uma pilha de tábuas que também tinha
deixado preparadas e esperou.
Quando
apareceu ao longe um caminhão vazio ele fez sinal. O motorista parou. Pedro
disse que o patrão estava numa emergência, tivera que fazer uma viagem de
urgência e o encarregara de vender logo aqueles porcos, bem baratinho, para
mandar dinheiro para ele. Conversa vai, conversa vem, negociou a venda de todos
os animais. Com uma única condição: os rabinhos tinham que ficar.
·
É para eu poder prestar contas -
explicou. Ele saiu tão depressa que nem teve tempo de contar. Assim a gente
controla exatamente quantos porcos foram vendidos.
O
sujeito achou esquisito, mas concordou. Estava com pressa. Queria fechar logo o
negócio, antes que surgisse um concorrente pela estrada. Ou que aquele caipira
se arrependesse de vender uns animais tão bonitos por um preço tão abaixo do
que eles poderiam ser revendidos no mercado. E com os olhos brilhando, enquanto
fazia contas mentalmente e calculava o lucro que ia ter, o motorista do
caminhão ajudou Pedro a cortar o rabo dos animais e a guardar na carroceria
todos os porcos, que subiram por uma rampa improvisada com as tábuas da pilha
onde ele estava sentado.
Num
instante, os dois se despediram, e o caminhão sumiu na estrada. Com toda aquela
porcalhada.
Pedro
pôs no bolso o dinheiro da venda e disse pra si mesmo:
· Agora
estou descontando os descontos. Se eu fosse deixar de graça tudo o que tiraram
de mim nessa fazenda colossal...
Depois
pegou os rabinhos, que tinha deixado separados em cima das tábuas, e foi
espetando todos na lama, a uma boa distância uns dos outros. Todos menos um,
que ficou segurando.
Feito
isso, foi para a casa da fazenda. Quando estava chegando lá perto, começou a
correr e a gritar, como se tivesse vindo esbaforido o tempo todo:
· Socorro!
Acudam! Estou precisando de toda ajuda!
Foi
uma correria, todo mundo em volta, e ele fingindo que estava sem fôlego, que
nem conseguia falar.
· O que
foi?
· O que
está acontecendo?
E o
patrão:
· Cadê
meus porcos?
Depois
de muito ofegar, beber um copo d’água e fazer de conta que estava sem forças,
Pedro finalmente explicou:
· Levei
os bichinhos para passear num lugar onde não tinha nada plantado, e eles
descobriram um bom lamaçal. Um lamaçal colossal. Eles adoraram...
Nossa...
Não dá pra curtir, propriamente. Mas dói de ler. Ah, dói... Sim, e daí? Conte
logo! Onde estão meus animais?
· Estão
lá, fique sossegado...
· Então,
pra que esse escândalo?
· Bom,
patrão, é que era um lamaçal tão colossal que eles foram se afundando aos
pouquinhos.
·
Afundando? Como assim?
·
Afundando, uai! Ficando com as pernas presas e
indo para o fundo, devagarzinho. Quando eu vi, tentei segurar o que estava mais
perto. Puxei, puxei, mas não adiantou nada. Olha só! O rabo dele ficou na minha
mão, e o coitadinho foi sumindo...
E
mostrou o rabinho que guardara.
Foi
um espanto! Todo mundo queria ver. O rabo, todo enroladinho, passava de mão em
mão. Pedro continuou:
· Eu
então vi que não dava conta sozinho e vim correndo pedir ajuda.
Vamos
todos para lá! - ordenou o fazendeiro.
É
isso mesmo – concordou Pedro. Mas é muito porco, nem sei se vai dar. Se o
senhor me der licença, eu posso também fazer outra coisa para ajudar.
· O
quê?
· Se o
senhor me autorizar, eu posso selar uma mula e ir até o vizinho pedir reforço.
Ele tem um trator bom, a gente pode amarrar umas cordas fortes nos bichos...
Fica mais fácil puxar.
· Boa
ideia! – concordou o patrão. Mas não vai perder tempo selando mula, não.
Monte logo no meu cavalo, que é veloz e já está arreado. Assim vai mais
ligeiro.
Era
isso mesmo que Pedro queria.
Num
instante já estava longe, na direção oposta à do lamaçal colossal. A cavalo e
com dinheiro no bolso.
E o
patrão, se não estiver esperando reforço até hoje, já deve estar com uma boa
coleção de rabinhos de porco na mão. Ou ele estava pensando que ia continuar
para sempre explorando todo mundo, sem nunca lhe acontecer nada, naquela
fazenda colossal?
A Velhinha Inteligente
Esta
é uma história que se conta até hoje na cidade de Carcassonne, ao sul da
França. Há várias versões do mesmo caso, mas todas concordam num ponto: a
cidade foi salva graças à esperteza de uma mulher.
Há
muitos e muitos séculos, a próspera cidade de Carcassonne foi cercada por
guerreiros inimigos. Embora protegida por muralhas e portões, a população não
estava a salvo: como ninguém pudesse sair, aos poucos a comida foi escasseando.
Logo chegou o dia em que ninguém mais tinha o que comer, e os inimigos, do lado
de fora, resistiam teimosamente, esperando a rendição da cidade.
Então,
o governador de Carcassonne, refletindo sobre a gravidade da situação, resolveu
que era preferível entregar-se a ver seu povo morrer de fome. Entretanto, assim
que ele anunciou a todos a sua resolução, uma senhora, madame Carcas, já bem
idosa e por isso mesmo muito experiente, adiantou-se e disse que tinha um plano
para salvar a cidade.
·
Todos riram dela, porém como já se
consideravam perdidos, acharam que não faria mal escutá-la.
·
Primeiro, tragam-me uma vaca – pediu
ela.
·
Uma vaca?!? – exclamaram. – E como
vamos achar uma vaca?
Mas
madame Carcas insistiu e todos se puseram a procurar de casa em casa.
Vira
daqui, revira de lá, encontraram, por fim, uma vaca muito magra, na casa de um
avarento, que a havia escondido por medo de morrer de fome. Ele bem que
reclamou, mas o animal foi levado até a velha senhora.
·
Agora – disse ela – juntem tudo o que
puderem de alimentos, restos, cascas, o que encontrarem!
Assim fizeram todos,
conseguindo juntar um saco cheio
de restos de cereais.
·
Muito bem – aprovou a madame. – Deem
tudo isso à vaca!
·
À vaca?!? Isso é um absurdo! Todos nós
temos fome!
·
Pois deem tudo à vaca e não vão se
arrepender – garantiu a velhinha.
Não
sem relutar, fizeram o que ela dizia. A vaca rapidamente engoliu aquilo que
para todos parecia um banquete desperdiçado.
·
Agora, abram com cuidado os portões e
deixem a vaca sair – ordenou a senhora.
·
Essa velha é louca! – gritaram alguns.
Mas como madame insistisse com tanta segurança, resolveram obedecer-lhe até o
fim.
Do
lado de fora, a tropa inimiga percebeu que os portões da cidade se abriram.
Intrigados,
viram que uma vaca escapava. Mais do que depressa, capturaram o animal e o
levaram para seu chefe de armas.
·
Veja, senhor, eles deixaram uma vaca
escapar! Graças a esse descuido, hoje teremos um bom jantar!
O
chefe, intrigado, ordenou que matassem a vaca. Mas, quando abriram a barriga do
animal e ele a viu forrada de cereais, muito preocupado, concluiu:
·
Soldados! Se os habitantes dessa cidade
ainda têm tantas provisões que podem alimentar suas vacas e além disso se dar ao
luxo de deixá-las escapar, é sinal de que poderão resistir ainda por muito
tempo. É melhor nos retirarmos, pois certamente morreremos de fome antes deles.
Assim,
os inimigos foram embora e a cidade foi salva.
Dizem que a velhinha,
vendo partir os soldados, subiu à torre da igreja e começou a tocar o sino, em sinal de vitória. Ouvindo
aquilo, o povo gritou:
·
Viva! Carcas sonne! – que em francês
quer dizer “Carcas está tocando o sino”.
É por
isso que a cidade foi chamada de CARCASSONNE.
(PAMPLONA, Rosana. Novas Histórias Antigas.
São Paulo (SP): Brinque-book, 1998; pp.23-26)
Sapo
com Medo de Água (versão 1)
O
sapo é esperto. Uma feita o homem agarrou o sapo e levou-o para seus filhos
brincarem. Os meninos judiaram dele muito tempo e, quando se fartaram,
resolveram matar o sapo. Como haviam de fazer?
-
Vamos jogar o sapo nos espinhos!
-
Espinhos não furam o meu couro - dizia
o sapo.
-
Vamos queimar o sapo!
-
Eu no fogo estou em casa! Vamos
sacudir ele nas pedras!
-
Pedra não mata sapo!
-
Vamos furar de faca!
-
Faca não atravessa!
-
Vamos botar o sapo na lagoa!
Aí o
sapo ficou triste e começou a pedir, com voz de choro:
-
Me bote no fogo! Me bote no fogo! Na
água eu me afogo! Na água eu me afogo!
-
Vamos para a lagoa - gritaram os
meninos.
Foram,
pegaram o sapo por uma perna e, fxirn bum, rebolaram lá no meio. O sapo
mergulhou, veio em cima da água fritando satisfeito:
-
Eu sou bicho d'água! Eu sou bicho
d'água!
Por
isso quando vemos alguém recusar o que mais gosta, dizemos:
-
É sapo com medo de água...
-
(CASCUDO, Luis da Câmara. Contos tradicionais do
Brasil. São Paulo: Global, 2004; . São
Paulo: Global, 2004;p.196.)
Sapo com Medo D´Água (versão 2)
Dois
homens, fugidos da prisão, pararam na beira da lagoa para matar a sede e
descansar um pouco.
Um
sapo dormia debaixo da samambaia.
Os
bandidos agarraram o sapo.
-
Olha que desengonçado! - disse um
deles, apertando o bicho entre os dedos.
-
É feio que dói! - completou o outro,
com cara de nojo.
E os
dois resolveram fazer maldade.
-
Vamos jogar no formigueiro?
Ouvindo
isso, o sapo estremeceu. Por dentro. Por fora, abriu um sorriso indiferente.
-
Que nada – respondeu o outro,
percebendo que o sapo não estava nem ligando. - Pega a faca. Vamos picar ele
todinho.
O
sapo, de olhos fechados, começou a assobiar uma linda melodia.
Os
dois bandidos queriam dar um jeito de fazer o sapo sofrer.
-
Sobe na árvore e atira ele lá do alto.
-
Pega o fósforo e acende uma fogueira.
Vamos fazer churrasco de sapo!
O
sapo espreguiçava-se tranquilo entre os dedos do homem.
Um
dos bandidos teve outra ideia.
-
Já sei! Vamos afogar o desgraçado na
lagoa!
Foi
quando o sapo deu um pulo desesperado e começou a gritar:
-
Tudo menos isso!
Os
malfeitores, agora sim, tinham chegado onde queriam.
-
Vai pra água, sim senhor!
-
Não sei nadar! - berrava o sapo.
-
Então vai morrer engasgado!
O
bicho esperneava:
-
Socorro!
-
Vai sufocar de tanto engolir água!
-
Não!
-
Vai virar comida de jacaré!
-
Tenho mulher e filhos pra cuidar!
-
Joga bem longe!
-
Me acudam!
-
Lá vai!
O
homem atirou o sapo no fundo da lagoa. O sol estava redondo.
O
sapo – ploft – desapareceu no azul bonito das águas.
Depois
voltou risonho, mostrou a língua e foi embora nadando e cantando e dançando e
requebrando n'água, feliz da vida.
(AZEVEDO, Ricardo. Meu livro de folclore. São
Paulo (SP): Ática, 2006; p.5-8.)
O
Sapo e o Coelho
O
Coelho vivia zombando do Sapo. Achava-o preguiçoso e lerdo, incapaz de qualquer
agilidade. O sapo ficou zangado:
-
Quer apostar corrida comigo?
-
Com você? - assombrou-se o coelho.
-
Justamente! Vamos correr amanhã, você
na estrada e eu pelo mato, até a beira do rio...
O
coelho riu muito e aceitou o desafio. O sapo reuniu todos os seus parentes e
distribuiu-os na margem do caminho, com ordem de responder aos gritos do
coelho.
Na
manhã seguinte os dois enfileiraram-se e o coelho disparou como um raio,
perdendo de vista o sapo que saíra aos pulos. Correu, correu, correu, parou e
perguntou:
-
Camarada Sapo?
Outro
sapo respondia dentro do mato:
-
Oi?
O
coelho recomeçou a correr. Quando julgou que seu adversário estivesse bem
longe, gritou:
-
Camarada Sapo?
-
Oi? - coaxava um sapo
Debalde
o coelho corria e perguntava, sempre ouvindo o sinal dos sapos escondidos.
Chegou à margem do rio exausto mas já encontrou o sapo, sossegado e sereno,
esperando-o. O coelho declarou-se vencido.
(CASCUDO, Luís da Câmara. Contos tradicionais do
Brasil. São Paulo (SP): Global, 2004; p.186.)
A
Dona Raposa e os Peixes
Um
dia, bem cedinho, seu Raposa andava pelo bosque. Ao passar perto de um rio, viu
uma quantidade enorme de peixes nadando. Entusiasmado, ele começou a pescar.
Eram tantos os peixes, e seu Raposo estava tão esfomeado, que em pouquíssimo
tempo pescou três lindas traíras.
Muito
alegre, foi para casa e disse à mulher, ao chegar:
-
Dona Raposinha, olhe só a sorte que
tive hoje!
-
Oh! Que traíras enormes! – exclamou
dona Raposa, já com água na boca.
-
Pois é. Eu como uma, você outra e ainda
vai sobrar uma... Por isso, eu pensei em convidar seu Tigre para almoçar; é
sempre bom agradá-lo...
-
Você é quem manda, querido Raposo. Vou
fritar com muito cuidado essas traíras. Vão ficar deliciosas! Ande, vá convidar
seu Tigre!
Seu
raposo esfregou as mãos satisfeito e saiu em busca de seu Tigre. Dona Raposa se
pôs a preparar os peixes. Quando ficaram bem fritos, o cheiro era tão apetitoso
que ela murmurou:
-
Vou experimentar minha traíra para ver
se ela ficou boa de sal. Só um pedacinho de nada, pois ia ser bem chato se eu a
comesse inteira antes de seu Raposo chegar com o convidado!
Ela
começou a beliscar o peixe e achou-o tão saboroso que se esqueceu do que havia
dito. Em poucos segundos o prato ficou limpo.
-
Estava deliciosa! Agora preciso
experimentar a do Raposo; ele é muito delicado e, se sua traíra não estiver bem
frita, com certeza vai ficar zangado!
Comeu
a cauda torrada, depois uma das barbatanas, a seguir a cabeça e, quando
percebeu, toda a traíra de seu Raposo havia desaparecido.
-
Meu Deus, comi inteirinha! – ela
exclamou.
– Mas, agora, o estrago está feito. Então não
faz mais diferença se eu comer também a última!
E, do
mesmo jeito, comeu a última traíra.
Por
fim, chegou seu Raposo, acompanhado de seu Tigre, e perguntou à mulher:
-
Preparou as traíras?
-
Claro que sim! Ainda estão no fogo para
que não esfriem – ela mentiu.
-
Sirva logo, porque estamos com muito
apetite. Não é verdade, seu Tigre?
-
Sem dúvida, seu Raposo. Eu, pelo
menos... E com esse cheirinho de peixe frito que há por aqui...
-
Vou pôr à mesa – disse dona Raposa. –
Sente-se ali, seu Tigre. Aquele é o seu lugar.
-
Obrigado, dona Raposa.
Seu
Tigre sentou-se e Dona Raposa chamou o marido de lado.
-
Vá até o quintal e afie bem as facas,
pois as traíras eram muito velhas e ficaram duras demais – ela falou.
Seu
raposo correu até o quintal, e dali a pouco podia-se ouvir o barulho que faziam
as facas contra a pedra de amolar.
Dona
Raposa se aproximou de seu Tigre e lhe disse:
-
Você está ouvindo? É meu marido que
está amolando uma faca. Ficou louco e meteu na cabeça que quer comer suas orelhas,
seu Tigre; para isso é que ele trouxe você até aqui. Fuja logo, antes que ele
volte, por favor!
Seu
Tigre se assustou e saiu da casa a todo vapor.
Então,
dona Raposa começou a gritar:
-
Seu Raposo, seu Raposo! Venha logo, que
seu Tigre fugiu levando todas as traíras!
E seu
Raposo, com uma faca em cada mão, começou a correr atrás de seu Tigre,
gritando:
-
Seu Tigre, seu Tigrinho! Me dê pelo
menos uma!
E o
Tigre, achando que seu Raposo se referia às suas orelhas, apertou o passo,
morrendo de medo, e não parou até estar bem fechado e seguro em sua casa.
(Conto Tradicional Venezuelano - Contos
de Artimanhas e Travessuras. Co-edição latino-americana. Editora Ática. 1988. São Paulo.)
De como o Malasartes fez o Urubu falar
Quando
o pai de Pedro Malasartes entregou a alma a Deus, fez-se a partilha dos bens,
uma casinha velha, entre os filhos, e tocou a Pedro uma das bandeiras da porta
da casa, com o que ele ficou muito contente.
Pôs a
porta no ombro e saiu pelo mundo. Em caminho, viu um bando de urubus sobre um
burro morto. Atirou a porta sobre eles e caçou um urubu que ficou com a perna
quebrada.
Apanhou-o,
pôs a porta às costas e continuou viagem.
Obra
de uma légua ou mais, avistou uma casa de onde saía fumaça, o que queria dizer
que se estava preparando o jantar.
Pedro
Malasartes, que sentia fome, bateu à porta e pediu de comer.
Veio
antendê-lo uma preta lambisgóia que foi logo dizer à patroa que ali estava um
vagabundo, com um urubu e uma porta, a pedir de jantar.
A
mulher mandou que o despachasse – que a sua casa não era coito de malandros.
O
marido estava de viagem e a mulher no seu bem bom a preparar um banquete para
quem ela muito bem o destinava. Neste mundo há coisas!
Pedro
Malasartes, tão mal recebido que foi, resolveu subir para o telhado, valendo-se
da porta que trazia e lhe serviria de escada. Subiu e ficou espreitando o que
se passava naquela casa, tanto mais que sentia o cheiro dos bons petiscos.
Espiando
pelos vãos das telhas viu os preparativos e tomou nota das iguarias, e ouviu as
conversas e confidências da patroa e da negra.
Justamente
na hora do jantar chegou o dono da casa que resolveu voltar de inesperado da
viagem que fazia.
Quando
a mulher percebeu que ele se aproximava mandou esconder os pratos do banquete e
veio recebê-lo e abraçá-lo, muito fingida, muito risonha, mas por dentro
queimando de raiva.
Vai
daí mandou pôr na mesa a janta que constava de feijão aguado, paçoca de carne
seca e cobu, dizendo:
-
Por que não avisou, marido? Sempre se
havia de aprontar mais alguma coisa…
Sentaram-se
à mesa.
Pedro
Malasartes desceu de seu posto e bateu na porta, trazendo o urubu.
O
dono da casa levantou-se e foi ver quem era.
O
rapaz pediu-lhe um prato de comida e ele chamou-o para a mesa a servir-se do
pouco que havia.
A
mulher estava desesperada, desconfiando com a volta de Malasartes.
Pedro
tomou assento, puxou o urubu para debaixo da mesa, preso pelo pé num pedaço de
corda de pita.
Estavam
os dois homens conversando, quando de repente o Malasartes pisou no pé quebrado
do bicho e este se pôs a gritar: uh! uh! uh!
O
dono da casa levou um susto e perguntou que diabo teria o bicho.
Pedro
respondeu muito sério:
-
Nada! São coisas. Está falando comigo.
-
Falando! Pois o seu bicho fala?!
-
Sim, senhor, nós nos entendemos. Não vê
como o trago sempre comigo? É um bicho mágico, mas muito intrometido.
-
Como assim?
-
Agora, por exemplo, está dizendo que a
patroa teve um aviso oculto da volta do senhor e por isso lhe preparou uma boa
surpresa.
-
Uma surpresa! Conte lá isso como é.
-
É deveras! Uma excelente leitoa assada
que está ali naquele armário…
-
Pois é possível! Ó mulher, é verdade o
que diz o urubu desse moço?
Ela
com receio de ser apanhada com todo o banquete e certa de que Pedro sabia da
marosca, apressou-se em responder:
-
Pois então? Pura verdade. O bicho
adivinhou. Queria fazer-te a surpresa no fim do jantar.
E
gritou pela preta:
-
Maria, traz a leitoa.
A
negra veio logo correndo, mas de má cara, com a leitoa assada na travessa.
Daí a
pouco, Pedro Malasartes pisou outra vez no pé do urubu que soltou novo grito.
-
O que é que ele está dizendo?
-
Bicho intrometido! Está candongando
outra vez. Cala a boca, bicho!
-
O que é?
-
Outras supresas.
-
Outras?!
-
Sim, senhor: um peru recheado…
-
É verdade, mulher?
-
Uma surpresa, maridinho do coração.
Maria, traz o peru recheado que preparei para o teu amo.
Veio
o peru. E pelo mesmo expediente conseguiu Pedro Malasartes que viessem para a
mesa todas as iguarias, doces e bebidas que havia em casa.
Ao
fim do jantar, o dono da casa, encantado com as proezas do urubu, propôs
comprá-lo a Pedro Malasartes, que o vendeu muito bem vendido, enquanto a mulher
e a preta bufavam de raiva, crentes também, no poder mágico do bicho que,
assim, seria um constante espião de tudo quanto fizessem.
Fechado
o negócio, Pedro Malasartes partiu satisfeito e vingado.
(Lindolfo Gomes. Contos populares. São
Paulo, Companhia Melhoramentos, v. 1. In APOCALYPSE, Mary (org.). Publicado no
site Estórias e lendas de Minas Gerais, Espírito Santo e Rio de Janeiro: http://www.jangadabrasil.com.br/janeiro/cd50100c.htm#apocalypse)
Referências para leitura
CASCUDO,
Luís da Câmara. Contos Tradicionais do Brasil. São Paulo(SP): Global,
2004.
MACHADO,
Ana Maria. Jabuti Sabido e Macaco Metido. Rio de Janeiro(RJ): Objetiva;
2011(faz parte do acervo do PNLD 2013, 2014, 2015).
PAMPLONA,
Rosana. Novas Histórias Antigas. São Paulo(SP): Brinque-Book, 1998.
VASQUEZ,
Adolfo Sanchez. Ética. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
1996.
VÁRIOS
AUTORES. Contos Populares para Crianças da América Latina. Coedição
latino-americana. São Paulo(SP): Editora Ática, 1994.
[1]
Formadoras do
Programa “Ler e Escrever” Kátia Lomba
Bräkling (Supervisora de Língua Portuguesa). Julho de 2014. CEFAI
[2]
O conto “A Velhinha Inteligente”, por exemplo, apresentado a seguir, refere-se
à cidade de Carcassonne, localizada no sul da França (PAMPLONA, Rosana. Novas
Histórias Antigas. São Paulo: Brinque-book.). Contos de Esperteza[1]
Fragmento do projeto produção de final de contos
de esperteza
Arte e manha na escrita de
autoria
Contos de artimanha: narrativas, geralmente
curtas, nas quais os personagens – humanos ou animais – utilizam-se de ardis
(armadilhas ou disfarces), truques, malandragens, gambiarras e espertezas para
garantir sua sobrevivência ou mesmo a vitória contra forças maiores que a sua.
Em tais contos – de artimanha; ou de
manhas e artimanhas; ou de astúcia, ou ainda, de esperteza,
como costumam ser denominados – a trama é sempre organizada em torno de um personagem que utiliza a esperteza para obter o que deseja,
ludibriando outro – ou outros – personagem ingênuo ou, pelo menos, não tão
esperto como o protagonista. Dessa maneira, os ardis são sempre inesperados e
engenhosos, nunca havendo uso de estratégias usuais e previsíveis.
Estes protagonistas - que podem
ser pessoas ou animais – acabam por representar a possibilidade de ludibriar
certos valores da sociedade que os segrega ou exclui, valores estes
sintetizados na figura de seu antagonista. Assim, podem ser personagens que
sofrem pela pobreza, o que lhes acarreta ausência de dinheiro, de comida e bens
materiais; podem sofrer por problemas que se realizam no interior da família
(ou de um casal, como a traição) que desafiam astuciosamente os valores morais
vigentes; podem, ainda, ser alvo do autoritarismo de representantes de classes
sociais hierarquicamente superiores.
(...) Os contos de artimanha são comumente
organizados no eixo temporal, quer dizer, as ações narradas são apresentadas em
uma ordem e sequência de tempo claramente indicadas. O tempo da narrativa
costuma ser indefinido, mas o local pode ser
especificado
em alguns textos, já que se referem à tradição oral e, dessa forma, a sua origem
histórica pode remeter a uma região específica[2] . As
relações de causalidade marcam a progressão temática no que se refere à relação
existente entre os motivos do protagonista, a estratégia que desenvolve para
resolver o problema colocado a ele e às consequências/resultados do plano
executado.
Nestes contos não há a presença do elemento mágico típico
dos contos de fadas e de encantamento: a astúcia do protagonista o substitui.
Tampouco há príncipes, reis e princesas: sendo assim, quando acontece a resolução
do problema por meio do casamento, este acontece com a filha do patrão, por
exemplo.
Do ponto de vista
especificamente textual, a artimanha do protagonista costuma ser apresentada ao
leitor – e comumente também aos seus antagonistas - no momento em que está
sendo desenvolvida na história, e não de maneira antecipada. Quer dizer: em
tais textos, não é usual que haja antecipação do plano do personagem esperto ao
leitor; ao contrário, este toma conhecimento do plano na medida em que está
sendo posto em ação, o que coloca suspense no texto, quase sempre
surpreendendo, ao final, tanto personagens quanto leitores.
IMPORTANTE
SABER
· Nos
contos de artimanha a trama é conduzida sob a ótica de um herói malandro que
troça de ricos, poderosos, de instituições, mas também de indivíduos comuns
cujo comportamento destoa de um padrão convencional.
Na trama, o protagonista costuma
agir: a) para melhorar a sua situação ou a situação de um aliado, procurando
obter recompensa, ou então explorando uma situação que possa lhe render algum
benefício material; b) para proteger-se de uma ameaça ou agressão, vinda de
alguém que o subestima, e/ou explora ou a um aliado; c) punir um oponente,
vingando-se dele.
Como
ficam esses aspectos quando se trata de contos que envolvem apenas animais?
Nesse
caso, a esperteza e a astúcia são as únicas armas de que o animal de porte
pequeno dispõe – com possibilidade de vitória - para enfrentar o inimigo mais
forte. O antagonista é representado, portanto, por aquele que é superior ao
esperto em relação à força física e tamanho. Isso se justifica considerando que
na lógica da natureza, sobrevive quem é mais forte. O conto de esperteza mostra
a possibilidade de subverter essa lógica por meio da esperteza
· Na
fábula, os animais representam as virtudes e defeitos humanos, segundo a visão
do homem. Este é o critério de seleção dos mesmos para a composição da trama.
Por exemplo: a raposa costuma representar a astúcia; o coelho, a rapidez,
agilidade; o macaco, traquinagem e esperteza; a cegonha, a pureza, maternidade,
bondade.
A finalidade da fábula é mostrar
ao homem a sua condição e regras morais que deveria respeitar. Assim sendo, a
característica de cada animal é apenas servir ao propósito de ensinar ao homem
por meio de uma comparação.
As relações estabelecidas entre os animais
das fábulas são, portanto, diferentes daquela estabelecida no conto de
artimanha: nestes, o que vale é a possibilidade de subverter uma relação de
predador-presa; uma ideia de que o maior e mais forte fisicamente sobrevive
pela seleção natural. Nas fábulas isso não se coloca.
Conhecendo um conto e seu personagem principal
Pedro
Malasartes e o Lamaçal Colossal
Objetivo:
· Conhecer
um conto de artimanha e familiarizar-se com algumas das características desse
tipo de conto.
Encaminhamentos:
Leitura de um conto de artimanha pela professora
Avise aos alunos que você lerá um conto de
artimanha, chamado “Pedro Malasartes e o Lamaçal Colossal”, do livro “Histórias
à Brasileira”. Antes da leitura, pergunte à
classe:
· Vocês
já ouviram falar em contos de artimanha?
· Que
tipo de conto pode ser esse?
· Será
que a palavra artimanha pode ajudar a entender do que se trata?
Discuta
as respostas, procurando referenciar-se, sobretudo, na palavra artimanha,
discutindo seu significado, comparando com sinônimos, por exemplo.
Leia
o texto todo. Após a leitura proponha uma discussão sobre o texto lido, fazendo
perguntas como:
· Vocês
já conheciam histórias parecidas com essa?
· Já
tinham ouvido falar do Pedro Malasartes?
· Por
que será que esse conto pode ser chamado de conto de artimanha?
AMPLIANDO
INFORMAÇÕES
Pedro
Malasartes
De
acordo com o pesquisador da cultura nacional Luís Câmara Cascudo, "Pedro
Malasartes [ou Malazartes] é figura tradicional nos contos populares da
Península Ibérica, como exemplo de burlão invencível, astucioso, cínico,
inesgotável de expedientes e de enganos, sem escrúpulos e sem remorsos."
A
menção mais antiga feita ao personagem é na cantiga 1132 do Cancioneiro da
Vaticana, datado do século XIII e XIV:
"chegou
Payo de Maas Artes com seu cerame de chartes… semelha-me busuardo viindo en
ceramen pardo… log'ouve manto e tabardo".
Há
informações de que até mesmo o grande romancista, dramaturgo e poeta espanhol
Miguel de Cervantes Saavedra, escreveu sobre este ícone em sua comédia PEDRO
DE URDEMALAS, que compõe o livro Ocho comedias y ocho entremeses nuevos (1615).
Outras versões deste
personagem surgem em várias regiões da Europa, como Pedro Urdemales em
Castela, Till Eulenspiegel na Alemanha e Pedro de Urdes Lamas na
Andaluzia.
Duas óperas
brasileiras tem o personagem por protagonista: Malazarte de Oscar Lorenzo
Fernández e Graça Aranha, e Pedro Malazarte, de Mozart Camargo Guarnieri e
Mário de Andrade.
Na
literatura, vários autores usaram o personagem e nos cinemas o ele tomou
corpo com As Aventuras de Pedro Malasartes, de 1960, com Mazzaropi no papel
principal.”
Fontes:
http://www.ebc.com.br; Cancioneiro da Vaticana, Biblioteca Digital do
Alentejo, p. 281;
|
Leitura Compartilhada e Análise
do Conto de Artimanha “A Velhinha Inteligente”
Objetivo
· Ampliar
– e aprofundar - conhecimentos sobre a linguagem e os recursos discursivos
presentes nos textos apresentados para leitura.
Encaminhamentos
Estudo
do conto junto à classe.
Retome o conto do Pedro Malazarte, lido na aula anterior, e faça uma nova leitura com a
classe, com o objetivo de que todos recuperem a história.
Entregue o texto A Velhinha Inteligente para
os alunos. Leia-o enquanto eles acompanham. No final, comece, então, o estudo
do texto a partir de questões orientadoras. A intenção, nesse momento, é
aprofundar a compreensão dos alunos e, ao mesmo tempo, estudar os recursos
discursivos e linguísticos nele apresentados.
Entregue
o texto para os alunos.
Para
o estudo do conto “A Velhinha Inteligente”, sugerimos as seguintes questões:
Essa é uma história criada por um autor ou que vem
sendo contada de boca em boca, ao longo do tempo.
1)
Como é possível saber isso?
2)
Onde encontramos pistas no texto a esse
respeito?
Comentários:
Na
discussão com os alunos, oriente para que procurem no texto o trecho que contém
pistas sobre a resposta. Nesse caso, o primeiro parágrafo já indica que a
história é antiga, conhecida de todos, e que vem se modificando ao longo do
tempo.
É importante remeter o
aluno à fonte – caso eles não recorram a ela espontaneamente – para
problematizar dois aspectos:
· o
primeiro refere-se à presença da autoria que, nesse caso, relaciona-se com a
reescrita, a elaboração de uma nova versão da história pelo escritor indicado;
· o
segundo aspecto refere-se ao título da obra – Novas Histórias Antigas – que
ratifica a ideia de que são histórias que já existem há muito tempo e que estão
sendo recontadas pela autora.
3) Em qual
trecho inicial o leitor já tem uma pista de que pode se tratar de um conto de
artimanha?
Comentários:
Pretende-se
que os alunos recuperem uma das características fundamentais do conto de
artimanha, que é a presença de um protagonista esperto, engenhoso.
Logo
no primeiro parágrafo há uma pista a respeito, quando se diz que “a cidade foi
salva graças à esperteza de uma mulher”.
4) É
possível saber no início do conto qual era o plano da madame Carcas para salvar
a cidade dos guerreiros inimigos?
Comentários:
Esta
pergunta remete à uma estratégia discursiva e textual dos contos de artimanha
que é a de não apresentar previamente o “plano” do protagonista para o leitor e
demais personagens da história. Nestes contos, o estratagema do protagonista
vai sendo conhecido na medida em que vai sendo desenvolvido. Isto provoca um
suspense durante a narrativa e um final inusitado, não esperado, que surpreende
a todos, resultado do ardil, da esperteza e da inteligência do protagonista.
Nesse
sentido, espera-se que os alunos percebam que – no texto - o plano não é
anunciado e depois executado; ao contrário, ele só vai sendo conhecido quando
posto em prática, aos poucos. A madame Carcas não conta à população da cidade o
que vai fazer. Apenas vai dando ordens a todos, para providenciarem isso e
aquilo. Só ao final é que se pode ter uma ideia de tudo o que ela engendrou
para conseguir vencer o inimigo.
Para responder a esta questão, os alunos precisarão ir identificando
o modo pelo qual ficam sabendo – ao ler o texto – do plano da senhora Carcas.
Isso remete à localização de informações em diferentes trechos do texto, e à
articulação de todos eles para a totalização do plano, em si. Os diferentes
trechos seriam relativos aos pedidos que a madame vai fazendo à população, os
quais são fundamentados no conhecimento que ela tem dos moradores da cidade –
já que ela é uma velhinha, ou seja, antiga moradora
e, dessa forma, conhecedora da população – e, além disso, no seu intento:
enganar os inimigos, conhecendo também seu ponto fraco.
Para
responder a questão é preciso, antes de qualquer coisa, identificar o plano, o
que remete à articulação das informações dos trechos e elaboração da ideia
totalizadora do plano. Dito em outras palavras, só se compreende qual é o plano
no final do texto, e não antes, depois de todas as etapas executadas.
Sintetizando: o
plano da Madame Carcas era induzir o inimigo a ir embora, fazendo-o acreditar
que a cidade tinha condições de resistir muito tempo, mais do que eles, pois
tinham alimentação suficiente para continuar resistindo ao cerco. Como ela faz
isso? Mostrando aos soldados que tinham muitas provisões, o que é conseguido
com a “fuga” da vaca. Na verdade, Madame Carcas antecipa a reação dos soldados,
que estavam morrendo de fome: se a cidade deixasse “escapar” a vaca, bem
alimentada, certamente os soldados a matariam para comer. Ao fazerem isso,
veriam como estava bem alimentada. Concluiriam que a população tinha muitas
provisões e, dessa forma, poderiam resistir ao cerco por muito mais tempo que
eles.
d)
Por que todos acham um absurdo os pedidos que a Madame Carcas vai fazendo
durante a história?
Comentários:
Para
responder a essa questão os alunos precisarão analisar a reação dos moradores
dentro da situação em que se encontravam: sitiados e com fome, por causa da
escassez de alimentos. Os pedidos da Madame Carcas estavam levando a população
a abrir mão dos últimos alimentos que tinham à disposição, o que –
aparentemente - a colocava em desvantagem em relação ao inimigo.
Nessa
questão é importante que sejam analisados cada pedido feito e de que modo se
relacionam com o plano urdido pela protagonista. Além disso, é preciso levar em
conta quem era ela: uma antiga moradora que, dessa forma, conhecia muito bem
todo mundo. Esse fato, por exemplo, possibilitou que ela inferisse que o
avarento da cidade tivesse escondido uma vaca na sua casa.
É
importante articular a discussão dessa questão com o estudo feito na questão
anterior.
e)
Por que o plano de Madame Carcas dá certo?
Comentários:
Articule
essa discussão com a das duas questões anteriores. Focalize que o plano dá
certo por vários motivos:
1)
a velha senhora conhece as condições em
que o inimigo está (com fome, também, e sem provisões);
2)
ela sabe que a saída é fazer com que os
soldados desistam do cerco, pois a cidade não resistiria por muito tempo;
3)
Madame Carcas antecipa uma razão que
poderia levar os soldados à desistência: imaginar que a cidade está mais forte;
4)
a velha senhora conhece muito bem a
população, e sabe, inclusive que há um avarento que, provavelmente, estaria
escondendo uma vaca na sua casa;
5)
Madame Carcas consegue antecipar a
reação dos soldados e a conclusão a que chegaria o chefe deles.
f)
Algumas palavras e expressões usadas no texto indicam que ela tinha muita
certeza que seu plano daria
certo. Quais são elas?
Comentários:
Nesta
questão pretende-se que os alunos estejam atentos para os recursos linguísticos
empregados no texto, as palavras selecionadas para indicar a certeza da
senhora. Isso é fundamental no texto porque ratifica uma característica da
protagonista: ser inteligente e saber muito bem o que estava fazendo.
g) De
que forma o plano de Madame Carcas é revelado no texto?
Comentários:
A
intenção, com essa pergunta, é deslizar da discussão do conteúdo semântico, em
si, para a estratégia textual. Ou seja, é focalizar que o plano não foi
apresentado para o leitor primeiro para, depois, fosse mostrado de que maneira
foi desenvolvido e executado na cidade, junto à população.
Nesse momento, é possível que
você apresente para os alunos uma alternativa de redação, caso a estratégia
textual não seja observável para eles.
A
alternativa poderia ser a seguinte: pegue o conto lido e, depois do 4º
parágrafo, que termina com “não faria mal escutá-la”, introduzam o seguinte
trecho:
“A
velha senhora, então, revelou à população o que pretendia fazer:
Precisamos
enganar os soldados fazendo com que eles pensem que podemos resistir mais do
que eles. Vamos fazer com que pensem que temos provisões de sobra e que eles não
aguentarão tanto tempo quanto nós. Meu plano, então, é o seguinte: pegamos uma
vaca, damos de comer a ela com os alimentos que nos restam e deixamos que ela
“escape” da cidade. Eles, famintos como estão, certamente vão tentar comer a
vaca... Então, primeiro, tragam-me uma vaca – pediu ela.”
Leia
o texto com essa nova redação e, se possível, permitam que os alunos vejam o
texto enquanto é lido (para isso, prepare-o antes com o recurso que você tiver
disponível na escola).
Leia
um ou dois parágrafos seguintes e perguntem a eles que diferença faz escrever o
texto dessa forma ou como no original. A ideia é que possam perceber que:
a)
contar antes tira o suspense da história e, portanto, a surpresa final;
b)
contar o plano antes não é tão interessante para o leitor quando se ele ficar
sabendo só quando ele for executado;
c)
não seria possível conseguir tanta indignação dos moradores se eles já
soubessem do plano, o que também contribui para a quebra do suspense e não
prenderia tanto a atenção do leitor.
Estudo
de Texto Focalizando seus Recursos Discursivos e Linguísticos.
Sapo
com medo d’água
Objetivos
· Compreender
um conto de artimanha lido a partir dos elementos constitutivos da sua
organização interna (ardis e truques para enganar o oponente; identificação do
protagonista e do antagonista; identificação do plano do protagonista;
identificação dos motivos do protagonista para ludibriar o vilão).
· Identificar,
a partir da mediação do professor, recursos linguístico-discursivos empregados
em dois contos de artimanha e os efeitos de sentido que provocam.
Encaminhamentos
Leitura
das duas versões do conto “Sapo com medo d’água”.
Nessa
etapa, sugerimos que sejam lidas as versões do conto “Sapo com medo d'água”, de
Ricardo Azevedo e Câmara Cascudo. Leia os textos em dias distintos e converse
com as crianças sobre as semelhanças e diferenças entre as duas histórias,
focalizando não apenas aspectos semânticos, mas discursivos e textuais.
Faça
uma primeira leitura de um dos contos e converse com o grupo fazendo perguntas
que ajudem a verificar se as crianças compreenderam o texto.
Estas
perguntas devem remeter-se às características fundamentais de um conto de
artimanha, ou sejam, devem referir-se a:
a) quem
é o protagonista –personagem esperto, que vai enganar o vilão - nessa
história?;
b) como
você sabe disso?;
c) quem
é o antagonista, o vilão?;
d) como
você sabe disso?;
e) qual
o plano do protagonista?;
f) ele
consegue enganar o vilão?;
g) por
que você acha que o protagonista quis enganar o vilão?;
h) como
você sabe disso?
Em
seguida, releia o conto analisando, junto com os alunos, os recursos
discursivos e textuais empregados no textos e os efeitos de sentido que
provocam. Considerem os comentários e as orientações apresentadas a seguir.
Comentário:
Na primeira
versão, os seguintes aspectos podem ser discutidos com os alunos:
a) O título
do texto - “Sapo com medo d´água” – contraria tanto o possível repertório
do aluno, quanto a lógica do conto de artimanha, no qual o protagonista é
sempre esperto, inteligente, ardiloso: sapo não tem medo de água; o sapo não
pode ser medroso, se é o protagonista. O título, enquanto recurso textual e
discursivo que supõe redução de informação semântica do texto como um todo,
costuma possibilitar ao leitor antecipar sentidos do texto. Nesse caso, pode, à
primeira vista, apresentar uma contradição. No entanto, sabendo-se que sapo não
tem medo de água, podemos considerar que o leitor já tem – a partir desse
título - uma pista sobre quem será o esperto, quem estará enganando, qual a
estratégia do protagonista. Nesse sentido, o título passa a ser um recurso
provocativo; explicitador da estratégia do sapo.
b) A primeira
frase – “O sapo é esperto.” - embora contrarie o título, confirma a
esperteza do sapo; ao mesmo tempo ativa a capacidade do leitor para estabelecer
a relação entre o que ele sabe sobre o sapo, a contradição em relação ao título
e quem será o protagonista do conto, considerando as características de textos
desse gênero. É possível, inclusive, inferir qual será a estratégia do sapo
para enganar seu antagonista.
c) A organização do diálogo, foi elaborada
quase sem a presença de verbos ‘discendi’ (verbos de dizer: aqueles que
especificam a fala a ser apresentada em cada turno: disse, falou, respondeu,
retrucou, perguntou, indagou, murmurou, entre outros); e quase sem referências
à origem – ‘autor’ - da fala de cada turno. Esse recurso provoca um efeito de
agilidade nas falas e, dessa forma, rapidez à ação da trama, pelo menos até a
fala “Vamos botar o sapo na lagoa!”.
Depois disso – quando o
final se anuncia e a estratégia está para ser concretizada -, a diferença é
visível: há, por duas vezes, o anúncio completo fala do sapo7 (‘Aí osapo ficou
triste começou a pedir, com voz de choro:’ e O sapo mergulhou, veio em cima
da água fritando satisfeito:’); há, ainda, o apresentação da fala dos meninos,
após a primeira fala do sapo (‘Vamos para a lagoa – gritaram os
meninos’). É importante tematizar junto aos alunos as pistas que o texto
oferece para que identifiquemos quem está falando o que.
Algumas orientações:
· na primeira
fala, a referência ao sapo como objeto da ação do nós implícito em ‘vamos’
– os meninos - indica que não é ele quem fala; a 1ª pessoa do plural
(referente aos meninos) indica quem fala;
· na segunda
fala, o verbo de dizer - ‘dizia’ - e a referência à fonte – o
sapo – explicitam quem fala. Além disso, há a referência a “meu couro”, que
é mais coerente com o personagem sapo, e a ideia de que não adiantaria jogá-lo
nos espinhos – intenção dos meninos, apresentada na fala anterior;
· na terceira
fala, o verbo na primeira pessoa do plural – ‘vamos’ – já
indica quem fala; além disso, há uma referência a ele – o sapo -, o que
indica que não pode ser o sapo quem fala;
· na quarta
fala, como há uma alternância, e também pelo conteúdo semântico da fala
(pois fogo pode matar sapo e, se alguém está dizendo que não, só poderia ser o
sapo para salvar-se, o que é coerente com sua estratégia para enganar os
meninos), fica fácil deduzir quem fala;
· a quinta
fala possui as mesmas características que a terceira;
· a sexta
fala é semelhante à quarta: há uma alternância de turno, e também o
conteúdo semântico da fala denuncia o seu autor (pois pedra pode matar sapo e,
se alguém está dizendo que não, só poderia ser o sapo para salvar-se, o que é
coerente com sua estratégia para enganar os meninos);
· na sétima
fala, o verbo na 1ª pessoa do plural, identifica os falantes;
· na oitava,
vale a justificativa apresentada para a 4ª fala;
· na nona
fala, vale o exposto para a sétima.
A diferença na redação das sequências
dialogais do texto – quando colocadas em comparação - provocam o efeito de
sentido que confere rapidez à primeira parte – ‘bate-volta’ e ‘pingue-pongue’
-, e mais lentidão à segunda;
d) O
efeito de lentidão conferido à segunda parte é bastante adequado às intenções
semânticas: necessidade
de o
sapo demonstrar medo para convencer mesmo os meninos de que ele deveria ser
jogado na água; isso
coloca a necessidade textual de explicar,
qualificar a ação para que se tenha uma ideia mais clara da
dramatização/encenação realizada pelo sapo,
e com sucesso.
Na segunda
versão do conto “Sapo com Medo d’água” – a versão de Ricardo Azevedo –
encontramos uma progressão organizada de maneira diferente e uma estratégia do
protagonista também diferente.
Nela, a estratégia do
protagonista é manter-se tranquilo e calado enquanto os bandidos pensam em
maneiras de fazer maldades ao animal que, de fato, poderiam prejudicá-lo.
Quando os antagonistas tem a ideia de jogá-lo na lagoa é que ele se põe a
falar, como se fosse a pior coisa que poderiam fazer com ele. A partir desse
momento – com a fala Tudo menos isso” – é que o diálogo fica rápido, com
verbos de dizer escasseando progressivamente, assim como a indicação do
falante.
Depois
da leitura dos dois textos, oriente um trabalho de comparação entre eles,
focalizando os aspectos estudados em cada um.
As
perguntas a seguir podem orientar uma conversa sobre os textos:
a) quem
pega o sapo e por qual razão, em cada uma das versões?;
b) quais
ameaças são feitas ao sapo e como ele reage, em cada uma das versões?;
c) qual
o plano do sapo em cada um dos textos?;
d) quais
são os desfechos?;
d) qual
plano vocês acharam mais interessante? Por que?;
e) de
qual texto vocês mais gostaram? Por que?.
Ao
final do estudo comparativo, aproveite para conversar com seus alunos sobre o
fato de que os contos de artimanha, assim como os contos de fadas, têm suas
raízes na tradição oral, ou seja, são histórias muito antigas que foram
transmitidas ao longo do tempo de geração a geração. Por isso, muitas delas têm
diferentes versões, pois, cada pessoa, depois de ouvir a história, conta de seu
jeito.
Anexo – textos
Pedro
Malasartes e o Lamaçal Colossal
Você
conhece o Pedro Malasartes? Se não conhece, pode ir se preparando porque ele
pode aparecer aqui a qualquer hora.
Ele
não esquenta lugar, está sempre indo de um canto para outro. Fica um tempinho
trabalhando numa fazenda, sai e vai para outro emprego num sítio, daí a pouco
já está numa vila vendendo umas coisas na feira... Quando a gente menos espera,
Pedro já está de novo na estrada, a caminho da cidade ou de outra fazenda onde
possa ter uma oportunidade melhor. Muda toda hora, sempre em busca de um
trabalho mais bem pago, de um patrão que trate bem, de um negócio mais
interessante. Por isso, em cada história ele está fazendo alguma coisa
diferente. E sempre procurando dar um jeito de se defender, garantir um prato
de comida e não ser explorado. Mesmo que, para isso, acabe enganando alguém.
Acho
que uma das primeiras aventuras de Pedro Malasartes foi quando ele foi tomar
conta dos porcos de uma fazenda muito grande, de um fazendeiro muito rico e
muito sovina.
Quer
dizer, no começo Malasartes não tomava conta dos porcos, não. Trabalhava na
colheita. Aliás, bem nesse começo ele ainda nem se chamava Malasartes, era só
mais um Pedro como tantos outros que ainda não tinha ficado conhecido por fazer
arte nem por pregar pela nos outros. Chegou lá pedindo emprego e foi contratado
para colher café.
Pedro trabalhou o
mês inteiro. De manhãzinha até a noite. No fim desse tempo, quando chegou o dia
do pagamento, o patrão deu a ele umas moedinhas.
Só
isso, patrão? E o salário que a gente combinou?
Bom,
eu tive que descontar sua hospedagem... Se eu for hospedar de graça todo mundo
que chega nesta fazenda colossal...
E o
senhor chama de hospedagem dormir amontoado com os outros naquele barracão,
numa esteira velha, direto no chão duro? - reclamou ele.
Faz
até bem para a coluna...
Pedro
insistiu:
·
Mas foi uma hospedagem muito cara. Eu
tenho pra mim que eu não dormi esse tantão, não...
Não
adiantou insistir. O desconto estava feito. E o patrão ainda apareceu com outra
explicação:
·
É que tem também o desconto da comida.
Se eu for dar comida de graça para todo mundo que chega nesta fazenda
colossal...
·
Um descontão desses? Pela comida? Só
aquele feijãozinho talo todo dia? E o senhor queria que eu passasse fome?
Trabalhasse sem comer? Saco vazio não fica em pé...
·
Claro que não quero ver você com fome!
Mas comida custa dinheiro - respondeu o patrão. Tenho que descontar do seu
salário o preço do feijão com arroz, do sal, da linguiça, da lenha que cozinhou
a comida, do óleo, do alho e da cebola que a cozinheira usou no refogado, do
salário da cozinheira, do sabão que lavou as panelas, do...
·
Chega, patrão, chega! Não precisa mais
falar tanto em desconto. Mas eu tenho pra mim que eu não comi esse tantão,
não...
Não
adiantou discutir. O desconto estava feito.
Pedro resolveu que no
mês seguinte ia ser diferente. Trabalhou do mesmo jeito, de sol a sol, mas não
dormiu no barracão nem comeu com os outros. Com o pouquinho de dinheiro que tinha ganho comprou na venda sua
própria esteira e dormia embaixo de uma árvore. Pescava no ribeirão, armava
arapuca na mata, e no fim do dia quase sempre tinha alguma coisa para assar
numa fogueira ao ar livre. Arrumava uma frutinha aqui, outra ali, pegava uma
espiga de milho verde num milharal, uma raiz de mandioca numa roça, umas folhas
de taioba crescendo ao deus dará junto do córrego... Quase sempre dava um jeito
de não comer com os outros. Dessa vez o patrão ia ver só. Não ia adiantar vir
com aquela conversa de fazenda colossal.
Mas,
na hora do pagamento, não foi muito diferente. O patrão descontou um tantinho
pelo aluguel do pedacinho de terra onde ele armava a esteira, outro tantinho
pelo uso do rio, e outro tantinho pela espiga de milho, pela raiz de mandioca,
pelas folhas da taioba, por tudo o que ele tinha comido.
Chega,
patrão, chega! Não precisa falar mais em tanto desconto. Mas eu tenho pra mim
que eu não usei esse tantão, não... - reclamou Pedro.
·
Se é assim, vou-me embora. Não trabalho
mais aqui.
O
patrão coçou a cabeça, olhou pra ele e disse:
·
Só se for no mês que vem. Porque neste
mês agora vai ter que trabalhar pra mim, para poder acertar nossas contas.
·
Nossa contas? Como assim? - estranhou
Pedro.
·
É que ainda falta acertar sua conta com
o armazém.
·
Que armazém? - estranhou Pedro de novo.
·
Uai, aquela vendinha na beira da
estrada. Você não sabe que é minha?
·
E eu lá tenho conta em armazém?
·
Como não tem? E a esteira que você
comprou?
·
Comprei e paguei, com muita honra! -
exclamou Pedro furioso.
·
Pagou a esteira, mas também comprou
também um pedaço de fumo de rolo e uma cachacinha... Ou não lembra que comprou?
·
Comprei e também paguei, com muita
honra! - exclamou Pedro, furioso!
·
Pagou a primeira... - concordou o patrão. Mas
depois pediu outra, e mais outra, e não tinha mais dinheiro para pagar. Mandou
botar na conta. O vendedor anotou tudo. E agora você tem que pagar. Se eu fosse
deixar de graça tudo o que todo mundo compra nessa fazenda colossal...
Pedro
protestou:
·
Eu tenho pra mim que eu não bebi e não
fumei esse tantão, não...
Com
ar de bonzinho, o fazendeiro completou:
Mas
pode deixar para pagar uma parte no mês que vem.
Pedro
saiu dali muito zangado. Mão lembrava de ter bebido muitas doses de pinga. Mas
até podia ser. Bem que a mãe dele dizia que isso de tomar uma cachacinha é
desgraceira.
De
qualquer modo, uma coisa ele estava entendendo: aquilo não ia ter fim nunca.
·
Esse fazendeiro é um explorador! Vem
com essa conversinha mole de fazenda colossal, mas está querendo me tratar
feito se eu fosse um escravo. Não me paga e não em deixa ir embora. Ah, mas
isso não vai ficar assim. Vou dar um jeito.
No
dia seguinte, procurou o patrão e se ofereceu para tomar conta dos porcos da
fazenda. Esses porcos eram o grande orgulho do fazendeiro. Gordos, bonitos,
rendiam um bom dinheiro... Mas comiam muito, fediam muito e bem que davam
trabalho. Qualquer esforço para tomar conta deles era sempre bem-vindo.
·
Tudo bem. Então vá cuidar da lavagem
deles.
Era
duro. Uma espécie de trabalho de lixeiro. Pedro tinha que ir de casa em casa,
por toda a fazenda, recolhendo restos de comida, cascas de frutas, alimentos
estragados, todo tipo de sobra, e botando tudo nuns latões enormes e pesados,
que cheiravam mal. Depois carregava baldes d’água do ribeirão, misturava tudo,
jogava nos cochos e abria a porteira do cercado. Os porcos entravam correndo,
derrubando uns aos outros, e se amontoavam para a comilança. No meio de uma
sujeirada incrível.
Mas
Pedro não desanimou. Fez tudo direitinho, no capricho. Quando acabou, perguntou
ao patrão:
·
Agora posso levar os porcos para
passear?
Passear?
Nunca ouvi falar em porco passeando. Ficou maluco?
·
Com todo o respeito, senhor, eu sempre ouvi
dizer que exercício faz bem aos animais,
a carne deles rende mais e fica maciazinha... Dá um preço ótimo na hora de
vender.
Os
olhos do fazendeiro brilharam, e ele perguntou, interessado:
·
E como é que você vai levar esses
porcos para passear?
·
Ah, patrão, numa fazenda colossal como
esta, com toda a certeza não vai faltar um lugar bem especial para seus
porquinhos fazerem exercícios. Eu fico tomando conta, como se fosse um pastor,
um vaqueiro...
O
patrão deu risada:
Um
porqueiro, você quer dizer. Mas... pode levar. Só tenha cuidado para eles não
se soltarem, não invadirem as roças, não darem prejuízo.
·
Pode deixar, patrão. Já vi um lugar
aqui perto que tem uma laminha muito simpática. Acho que eles vão gostar bastante.
Isso
foi o que Pedro disse. O que ele não disse é que passara a noite carregando
água do córrego para jogar num terreno à beira da estrada, que tinha sido
capinado e estava pronto para ser plantado. A noite inteira, para lá e para cá.
Desse jeito, Pedro tinha preparado um lamaçal colossal. Levou os porcos
diretamente para lá, sentou-se me cima de uma pilha de tábuas que também tinha
deixado preparadas e esperou.
Quando
apareceu ao longe um caminhão vazio ele fez sinal. O motorista parou. Pedro
disse que o patrão estava numa emergência, tivera que fazer uma viagem de
urgência e o encarregara de vender logo aqueles porcos, bem baratinho, para
mandar dinheiro para ele. Conversa vai, conversa vem, negociou a venda de todos
os animais. Com uma única condição: os rabinhos tinham que ficar.
·
É para eu poder prestar contas -
explicou. Ele saiu tão depressa que nem teve tempo de contar. Assim a gente
controla exatamente quantos porcos foram vendidos.
O
sujeito achou esquisito, mas concordou. Estava com pressa. Queria fechar logo o
negócio, antes que surgisse um concorrente pela estrada. Ou que aquele caipira
se arrependesse de vender uns animais tão bonitos por um preço tão abaixo do
que eles poderiam ser revendidos no mercado. E com os olhos brilhando, enquanto
fazia contas mentalmente e calculava o lucro que ia ter, o motorista do
caminhão ajudou Pedro a cortar o rabo dos animais e a guardar na carroceria
todos os porcos, que subiram por uma rampa improvisada com as tábuas da pilha
onde ele estava sentado.
Num
instante, os dois se despediram, e o caminhão sumiu na estrada. Com toda aquela
porcalhada.
Pedro
pôs no bolso o dinheiro da venda e disse pra si mesmo:
· Agora
estou descontando os descontos. Se eu fosse deixar de graça tudo o que tiraram
de mim nessa fazenda colossal...
Depois
pegou os rabinhos, que tinha deixado separados em cima das tábuas, e foi
espetando todos na lama, a uma boa distância uns dos outros. Todos menos um,
que ficou segurando.
Feito
isso, foi para a casa da fazenda. Quando estava chegando lá perto, começou a
correr e a gritar, como se tivesse vindo esbaforido o tempo todo:
· Socorro!
Acudam! Estou precisando de toda ajuda!
Foi
uma correria, todo mundo em volta, e ele fingindo que estava sem fôlego, que
nem conseguia falar.
· O que
foi?
· O que
está acontecendo?
E o
patrão:
· Cadê
meus porcos?
Depois
de muito ofegar, beber um copo d’água e fazer de conta que estava sem forças,
Pedro finalmente explicou:
· Levei
os bichinhos para passear num lugar onde não tinha nada plantado, e eles
descobriram um bom lamaçal. Um lamaçal colossal. Eles adoraram...
Nossa...
Não dá pra curtir, propriamente. Mas dói de ler. Ah, dói... Sim, e daí? Conte
logo! Onde estão meus animais?
· Estão
lá, fique sossegado...
· Então,
pra que esse escândalo?
· Bom,
patrão, é que era um lamaçal tão colossal que eles foram se afundando aos
pouquinhos.
·
Afundando? Como assim?
·
Afundando, uai! Ficando com as pernas presas e
indo para o fundo, devagarzinho. Quando eu vi, tentei segurar o que estava mais
perto. Puxei, puxei, mas não adiantou nada. Olha só! O rabo dele ficou na minha
mão, e o coitadinho foi sumindo...
E
mostrou o rabinho que guardara.
Foi
um espanto! Todo mundo queria ver. O rabo, todo enroladinho, passava de mão em
mão. Pedro continuou:
· Eu
então vi que não dava conta sozinho e vim correndo pedir ajuda.
Vamos
todos para lá! - ordenou o fazendeiro.
É
isso mesmo – concordou Pedro. Mas é muito porco, nem sei se vai dar. Se o
senhor me der licença, eu posso também fazer outra coisa para ajudar.
· O
quê?
· Se o
senhor me autorizar, eu posso selar uma mula e ir até o vizinho pedir reforço.
Ele tem um trator bom, a gente pode amarrar umas cordas fortes nos bichos...
Fica mais fácil puxar.
· Boa
ideia! – concordou o patrão. Mas não vai perder tempo selando mula, não.
Monte logo no meu cavalo, que é veloz e já está arreado. Assim vai mais
ligeiro.
Era
isso mesmo que Pedro queria.
Num
instante já estava longe, na direção oposta à do lamaçal colossal. A cavalo e
com dinheiro no bolso.
E o
patrão, se não estiver esperando reforço até hoje, já deve estar com uma boa
coleção de rabinhos de porco na mão. Ou ele estava pensando que ia continuar
para sempre explorando todo mundo, sem nunca lhe acontecer nada, naquela
fazenda colossal?
A Velhinha Inteligente
Esta
é uma história que se conta até hoje na cidade de Carcassonne, ao sul da
França. Há várias versões do mesmo caso, mas todas concordam num ponto: a
cidade foi salva graças à esperteza de uma mulher.
Há
muitos e muitos séculos, a próspera cidade de Carcassonne foi cercada por
guerreiros inimigos. Embora protegida por muralhas e portões, a população não
estava a salvo: como ninguém pudesse sair, aos poucos a comida foi escasseando.
Logo chegou o dia em que ninguém mais tinha o que comer, e os inimigos, do lado
de fora, resistiam teimosamente, esperando a rendição da cidade.
Então,
o governador de Carcassonne, refletindo sobre a gravidade da situação, resolveu
que era preferível entregar-se a ver seu povo morrer de fome. Entretanto, assim
que ele anunciou a todos a sua resolução, uma senhora, madame Carcas, já bem
idosa e por isso mesmo muito experiente, adiantou-se e disse que tinha um plano
para salvar a cidade.
·
Todos riram dela, porém como já se
consideravam perdidos, acharam que não faria mal escutá-la.
·
Primeiro, tragam-me uma vaca – pediu
ela.
·
Uma vaca?!? – exclamaram. – E como
vamos achar uma vaca?
Mas
madame Carcas insistiu e todos se puseram a procurar de casa em casa.
Vira
daqui, revira de lá, encontraram, por fim, uma vaca muito magra, na casa de um
avarento, que a havia escondido por medo de morrer de fome. Ele bem que
reclamou, mas o animal foi levado até a velha senhora.
·
Agora – disse ela – juntem tudo o que
puderem de alimentos, restos, cascas, o que encontrarem!
Assim fizeram todos,
conseguindo juntar um saco cheio
de restos de cereais.
·
Muito bem – aprovou a madame. – Deem
tudo isso à vaca!
·
À vaca?!? Isso é um absurdo! Todos nós
temos fome!
·
Pois deem tudo à vaca e não vão se
arrepender – garantiu a velhinha.
Não
sem relutar, fizeram o que ela dizia. A vaca rapidamente engoliu aquilo que
para todos parecia um banquete desperdiçado.
·
Agora, abram com cuidado os portões e
deixem a vaca sair – ordenou a senhora.
·
Essa velha é louca! – gritaram alguns.
Mas como madame insistisse com tanta segurança, resolveram obedecer-lhe até o
fim.
Do
lado de fora, a tropa inimiga percebeu que os portões da cidade se abriram.
Intrigados,
viram que uma vaca escapava. Mais do que depressa, capturaram o animal e o
levaram para seu chefe de armas.
·
Veja, senhor, eles deixaram uma vaca
escapar! Graças a esse descuido, hoje teremos um bom jantar!
O
chefe, intrigado, ordenou que matassem a vaca. Mas, quando abriram a barriga do
animal e ele a viu forrada de cereais, muito preocupado, concluiu:
·
Soldados! Se os habitantes dessa cidade
ainda têm tantas provisões que podem alimentar suas vacas e além disso se dar ao
luxo de deixá-las escapar, é sinal de que poderão resistir ainda por muito
tempo. É melhor nos retirarmos, pois certamente morreremos de fome antes deles.
Assim,
os inimigos foram embora e a cidade foi salva.
Dizem que a velhinha,
vendo partir os soldados, subiu à torre da igreja e começou a tocar o sino, em sinal de vitória. Ouvindo
aquilo, o povo gritou:
·
Viva! Carcas sonne! – que em francês
quer dizer “Carcas está tocando o sino”.
É por
isso que a cidade foi chamada de CARCASSONNE.
(PAMPLONA, Rosana. Novas Histórias Antigas.
São Paulo (SP): Brinque-book, 1998; pp.23-26)
Sapo
com Medo de Água (versão 1)
O
sapo é esperto. Uma feita o homem agarrou o sapo e levou-o para seus filhos
brincarem. Os meninos judiaram dele muito tempo e, quando se fartaram,
resolveram matar o sapo. Como haviam de fazer?
-
Vamos jogar o sapo nos espinhos!
-
Espinhos não furam o meu couro - dizia
o sapo.
-
Vamos queimar o sapo!
-
Eu no fogo estou em casa! Vamos
sacudir ele nas pedras!
-
Pedra não mata sapo!
-
Vamos furar de faca!
-
Faca não atravessa!
-
Vamos botar o sapo na lagoa!
Aí o
sapo ficou triste e começou a pedir, com voz de choro:
-
Me bote no fogo! Me bote no fogo! Na
água eu me afogo! Na água eu me afogo!
-
Vamos para a lagoa - gritaram os
meninos.
Foram,
pegaram o sapo por uma perna e, fxirn bum, rebolaram lá no meio. O sapo
mergulhou, veio em cima da água fritando satisfeito:
-
Eu sou bicho d'água! Eu sou bicho
d'água!
Por
isso quando vemos alguém recusar o que mais gosta, dizemos:
-
É sapo com medo de água...
-
(CASCUDO, Luis da Câmara. Contos tradicionais do
Brasil. São Paulo: Global, 2004; . São
Paulo: Global, 2004;p.196.)
Sapo com Medo D´Água (versão 2)
Dois
homens, fugidos da prisão, pararam na beira da lagoa para matar a sede e
descansar um pouco.
Um
sapo dormia debaixo da samambaia.
Os
bandidos agarraram o sapo.
-
Olha que desengonçado! - disse um
deles, apertando o bicho entre os dedos.
-
É feio que dói! - completou o outro,
com cara de nojo.
E os
dois resolveram fazer maldade.
-
Vamos jogar no formigueiro?
Ouvindo
isso, o sapo estremeceu. Por dentro. Por fora, abriu um sorriso indiferente.
-
Que nada – respondeu o outro,
percebendo que o sapo não estava nem ligando. - Pega a faca. Vamos picar ele
todinho.
O
sapo, de olhos fechados, começou a assobiar uma linda melodia.
Os
dois bandidos queriam dar um jeito de fazer o sapo sofrer.
-
Sobe na árvore e atira ele lá do alto.
-
Pega o fósforo e acende uma fogueira.
Vamos fazer churrasco de sapo!
O
sapo espreguiçava-se tranquilo entre os dedos do homem.
Um
dos bandidos teve outra ideia.
-
Já sei! Vamos afogar o desgraçado na
lagoa!
Foi
quando o sapo deu um pulo desesperado e começou a gritar:
-
Tudo menos isso!
Os
malfeitores, agora sim, tinham chegado onde queriam.
-
Vai pra água, sim senhor!
-
Não sei nadar! - berrava o sapo.
-
Então vai morrer engasgado!
O
bicho esperneava:
-
Socorro!
-
Vai sufocar de tanto engolir água!
-
Não!
-
Vai virar comida de jacaré!
-
Tenho mulher e filhos pra cuidar!
-
Joga bem longe!
-
Me acudam!
-
Lá vai!
O
homem atirou o sapo no fundo da lagoa. O sol estava redondo.
O
sapo – ploft – desapareceu no azul bonito das águas.
Depois
voltou risonho, mostrou a língua e foi embora nadando e cantando e dançando e
requebrando n'água, feliz da vida.
(AZEVEDO, Ricardo. Meu livro de folclore. São
Paulo (SP): Ática, 2006; p.5-8.)
O
Sapo e o Coelho
O
Coelho vivia zombando do Sapo. Achava-o preguiçoso e lerdo, incapaz de qualquer
agilidade. O sapo ficou zangado:
-
Quer apostar corrida comigo?
-
Com você? - assombrou-se o coelho.
-
Justamente! Vamos correr amanhã, você
na estrada e eu pelo mato, até a beira do rio...
O
coelho riu muito e aceitou o desafio. O sapo reuniu todos os seus parentes e
distribuiu-os na margem do caminho, com ordem de responder aos gritos do
coelho.
Na
manhã seguinte os dois enfileiraram-se e o coelho disparou como um raio,
perdendo de vista o sapo que saíra aos pulos. Correu, correu, correu, parou e
perguntou:
-
Camarada Sapo?
Outro
sapo respondia dentro do mato:
-
Oi?
O
coelho recomeçou a correr. Quando julgou que seu adversário estivesse bem
longe, gritou:
-
Camarada Sapo?
-
Oi? - coaxava um sapo
Debalde
o coelho corria e perguntava, sempre ouvindo o sinal dos sapos escondidos.
Chegou à margem do rio exausto mas já encontrou o sapo, sossegado e sereno,
esperando-o. O coelho declarou-se vencido.
(CASCUDO, Luís da Câmara. Contos tradicionais do
Brasil. São Paulo (SP): Global, 2004; p.186.)
A
Dona Raposa e os Peixes
Um
dia, bem cedinho, seu Raposa andava pelo bosque. Ao passar perto de um rio, viu
uma quantidade enorme de peixes nadando. Entusiasmado, ele começou a pescar.
Eram tantos os peixes, e seu Raposo estava tão esfomeado, que em pouquíssimo
tempo pescou três lindas traíras.
Muito
alegre, foi para casa e disse à mulher, ao chegar:
-
Dona Raposinha, olhe só a sorte que
tive hoje!
-
Oh! Que traíras enormes! – exclamou
dona Raposa, já com água na boca.
-
Pois é. Eu como uma, você outra e ainda
vai sobrar uma... Por isso, eu pensei em convidar seu Tigre para almoçar; é
sempre bom agradá-lo...
-
Você é quem manda, querido Raposo. Vou
fritar com muito cuidado essas traíras. Vão ficar deliciosas! Ande, vá convidar
seu Tigre!
Seu
raposo esfregou as mãos satisfeito e saiu em busca de seu Tigre. Dona Raposa se
pôs a preparar os peixes. Quando ficaram bem fritos, o cheiro era tão apetitoso
que ela murmurou:
-
Vou experimentar minha traíra para ver
se ela ficou boa de sal. Só um pedacinho de nada, pois ia ser bem chato se eu a
comesse inteira antes de seu Raposo chegar com o convidado!
Ela
começou a beliscar o peixe e achou-o tão saboroso que se esqueceu do que havia
dito. Em poucos segundos o prato ficou limpo.
-
Estava deliciosa! Agora preciso
experimentar a do Raposo; ele é muito delicado e, se sua traíra não estiver bem
frita, com certeza vai ficar zangado!
Comeu
a cauda torrada, depois uma das barbatanas, a seguir a cabeça e, quando
percebeu, toda a traíra de seu Raposo havia desaparecido.
-
Meu Deus, comi inteirinha! – ela
exclamou.
– Mas, agora, o estrago está feito. Então não
faz mais diferença se eu comer também a última!
E, do
mesmo jeito, comeu a última traíra.
Por
fim, chegou seu Raposo, acompanhado de seu Tigre, e perguntou à mulher:
-
Preparou as traíras?
-
Claro que sim! Ainda estão no fogo para
que não esfriem – ela mentiu.
-
Sirva logo, porque estamos com muito
apetite. Não é verdade, seu Tigre?
-
Sem dúvida, seu Raposo. Eu, pelo
menos... E com esse cheirinho de peixe frito que há por aqui...
-
Vou pôr à mesa – disse dona Raposa. –
Sente-se ali, seu Tigre. Aquele é o seu lugar.
-
Obrigado, dona Raposa.
Seu
Tigre sentou-se e Dona Raposa chamou o marido de lado.
-
Vá até o quintal e afie bem as facas,
pois as traíras eram muito velhas e ficaram duras demais – ela falou.
Seu
raposo correu até o quintal, e dali a pouco podia-se ouvir o barulho que faziam
as facas contra a pedra de amolar.
Dona
Raposa se aproximou de seu Tigre e lhe disse:
-
Você está ouvindo? É meu marido que
está amolando uma faca. Ficou louco e meteu na cabeça que quer comer suas orelhas,
seu Tigre; para isso é que ele trouxe você até aqui. Fuja logo, antes que ele
volte, por favor!
Seu
Tigre se assustou e saiu da casa a todo vapor.
Então,
dona Raposa começou a gritar:
-
Seu Raposo, seu Raposo! Venha logo, que
seu Tigre fugiu levando todas as traíras!
E seu
Raposo, com uma faca em cada mão, começou a correr atrás de seu Tigre,
gritando:
-
Seu Tigre, seu Tigrinho! Me dê pelo
menos uma!
E o
Tigre, achando que seu Raposo se referia às suas orelhas, apertou o passo,
morrendo de medo, e não parou até estar bem fechado e seguro em sua casa.
(Conto Tradicional Venezuelano - Contos
de Artimanhas e Travessuras. Co-edição latino-americana. Editora Ática. 1988. São Paulo.)
De como o Malasartes fez o Urubu falar
Quando
o pai de Pedro Malasartes entregou a alma a Deus, fez-se a partilha dos bens,
uma casinha velha, entre os filhos, e tocou a Pedro uma das bandeiras da porta
da casa, com o que ele ficou muito contente.
Pôs a
porta no ombro e saiu pelo mundo. Em caminho, viu um bando de urubus sobre um
burro morto. Atirou a porta sobre eles e caçou um urubu que ficou com a perna
quebrada.
Apanhou-o,
pôs a porta às costas e continuou viagem.
Obra
de uma légua ou mais, avistou uma casa de onde saía fumaça, o que queria dizer
que se estava preparando o jantar.
Pedro
Malasartes, que sentia fome, bateu à porta e pediu de comer.
Veio
antendê-lo uma preta lambisgóia que foi logo dizer à patroa que ali estava um
vagabundo, com um urubu e uma porta, a pedir de jantar.
A
mulher mandou que o despachasse – que a sua casa não era coito de malandros.
O
marido estava de viagem e a mulher no seu bem bom a preparar um banquete para
quem ela muito bem o destinava. Neste mundo há coisas!
Pedro
Malasartes, tão mal recebido que foi, resolveu subir para o telhado, valendo-se
da porta que trazia e lhe serviria de escada. Subiu e ficou espreitando o que
se passava naquela casa, tanto mais que sentia o cheiro dos bons petiscos.
Espiando
pelos vãos das telhas viu os preparativos e tomou nota das iguarias, e ouviu as
conversas e confidências da patroa e da negra.
Justamente
na hora do jantar chegou o dono da casa que resolveu voltar de inesperado da
viagem que fazia.
Quando
a mulher percebeu que ele se aproximava mandou esconder os pratos do banquete e
veio recebê-lo e abraçá-lo, muito fingida, muito risonha, mas por dentro
queimando de raiva.
Vai
daí mandou pôr na mesa a janta que constava de feijão aguado, paçoca de carne
seca e cobu, dizendo:
-
Por que não avisou, marido? Sempre se
havia de aprontar mais alguma coisa…
Sentaram-se
à mesa.
Pedro
Malasartes desceu de seu posto e bateu na porta, trazendo o urubu.
O
dono da casa levantou-se e foi ver quem era.
O
rapaz pediu-lhe um prato de comida e ele chamou-o para a mesa a servir-se do
pouco que havia.
A
mulher estava desesperada, desconfiando com a volta de Malasartes.
Pedro
tomou assento, puxou o urubu para debaixo da mesa, preso pelo pé num pedaço de
corda de pita.
Estavam
os dois homens conversando, quando de repente o Malasartes pisou no pé quebrado
do bicho e este se pôs a gritar: uh! uh! uh!
O
dono da casa levou um susto e perguntou que diabo teria o bicho.
Pedro
respondeu muito sério:
-
Nada! São coisas. Está falando comigo.
-
Falando! Pois o seu bicho fala?!
-
Sim, senhor, nós nos entendemos. Não vê
como o trago sempre comigo? É um bicho mágico, mas muito intrometido.
-
Como assim?
-
Agora, por exemplo, está dizendo que a
patroa teve um aviso oculto da volta do senhor e por isso lhe preparou uma boa
surpresa.
-
Uma surpresa! Conte lá isso como é.
-
É deveras! Uma excelente leitoa assada
que está ali naquele armário…
-
Pois é possível! Ó mulher, é verdade o
que diz o urubu desse moço?
Ela
com receio de ser apanhada com todo o banquete e certa de que Pedro sabia da
marosca, apressou-se em responder:
-
Pois então? Pura verdade. O bicho
adivinhou. Queria fazer-te a surpresa no fim do jantar.
E
gritou pela preta:
-
Maria, traz a leitoa.
A
negra veio logo correndo, mas de má cara, com a leitoa assada na travessa.
Daí a
pouco, Pedro Malasartes pisou outra vez no pé do urubu que soltou novo grito.
-
O que é que ele está dizendo?
-
Bicho intrometido! Está candongando
outra vez. Cala a boca, bicho!
-
O que é?
-
Outras supresas.
-
Outras?!
-
Sim, senhor: um peru recheado…
-
É verdade, mulher?
-
Uma surpresa, maridinho do coração.
Maria, traz o peru recheado que preparei para o teu amo.
Veio
o peru. E pelo mesmo expediente conseguiu Pedro Malasartes que viessem para a
mesa todas as iguarias, doces e bebidas que havia em casa.
Ao
fim do jantar, o dono da casa, encantado com as proezas do urubu, propôs
comprá-lo a Pedro Malasartes, que o vendeu muito bem vendido, enquanto a mulher
e a preta bufavam de raiva, crentes também, no poder mágico do bicho que,
assim, seria um constante espião de tudo quanto fizessem.
Fechado
o negócio, Pedro Malasartes partiu satisfeito e vingado.
(Lindolfo Gomes. Contos populares. São
Paulo, Companhia Melhoramentos, v. 1. In APOCALYPSE, Mary (org.). Publicado no
site Estórias e lendas de Minas Gerais, Espírito Santo e Rio de Janeiro: http://www.jangadabrasil.com.br/janeiro/cd50100c.htm#apocalypse)
Referências para leitura
CASCUDO,
Luís da Câmara. Contos Tradicionais do Brasil. São Paulo(SP): Global,
2004.
MACHADO,
Ana Maria. Jabuti Sabido e Macaco Metido. Rio de Janeiro(RJ): Objetiva;
2011(faz parte do acervo do PNLD 2013, 2014, 2015).
PAMPLONA,
Rosana. Novas Histórias Antigas. São Paulo(SP): Brinque-Book, 1998.
VASQUEZ,
Adolfo Sanchez. Ética. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
1996.
VÁRIOS
AUTORES. Contos Populares para Crianças da América Latina. Coedição
latino-americana. São Paulo(SP): Editora Ática, 1994.
[1]
Formadoras do
Programa “Ler e Escrever” Kátia Lomba
Bräkling (Supervisora de Língua Portuguesa). Julho de 2014. CEFAI
[2]
O conto “A Velhinha Inteligente”, por exemplo, apresentado a seguir, refere-se
à cidade de Carcassonne, localizada no sul da França (PAMPLONA, Rosana. Novas
Histórias Antigas. São Paulo: Brinque-book.).
Assinar:
Postagens (Atom)